A Subcultura do Ridículo

Henrique Morgantini

O deboche é parte integrante de todo e qualquer discurso oral de um povo. Há idiomas – grande parte deles, aliás – que possuem palavras, expressões, intraduzíveis a outros por tamanha especificidade que representam. Portanto, a acidez da crítica, do deboche, do chiste é invariavelmente inseparável do contexto de comunicação dos povos e das pessoas.

Rir de si mesmo é um passo adiante: quem consegue, além de rir dos outros, aplicar o mesmo a si, eleva-se na capacidade de compreender e relevar a falha que existe em nós e que, é claro, é igualmente pertinente aos outros.

É preciso, entretanto, destacar que para além da naturalidade da acidez e da crítica, parte da população do Brasil tem criado uma subcultura exclusiva ao cenário político. Em uma escala de repetição, caminha-se sempre nas mesmas casas: reprovação, condenação, ódio e… escárnio.

Por incrível que pareça à primeira análise, ter raiva de alguém ou de um grupo não é o último degrau na escala da repulsa: rir de desprezo e inserir o alvo à condição do ridículo é o passo adiante e final. Há no ódio um forte sentimento impregnado. No riso do escárnio só há desesperança, desprezo e indiferença.

Por ocasião do despertar de um movimento baseado no ódio e na desesperança da classe política nacional, parte da população brasileira está sendo provocada a se manifestar assim quando diante de uma temática envolvendo a política. Mais do que odiar, repudiar, criticar, há um incentivo claro à ridicularização, à ofensa pelo desprezo.

Diariamente o brasileiro abre os sites, os jornais, as redes sociais e se sente cada vez mais à vontade de fazer o seu deboche, o seu chiste, de pôr fim a qualquer debate possível através instauração de um determinado tipo de nojo que cai no desrespeito e na antipatia.

Os exemplos estão aí, a milhão, mas na última semana – em Anápolis – um deles traduziu bem este comportamento. O vereador de primeiro mandato Teles Júnior, do PMN, apresentou um projeto no qual desejaria instaurar o Hino do Legislativo. Seu projeto não é uma lei até que seja apreciado em duas comissões e, depois, aprovado pela maioria em duas votações no plenário. Portanto, o projeto deveria ser alvo de questionamentos e debates.

Mas não houve tempo para isto.

Através das redes sociais, houve uma catarse coletiva no sentido de ridicularizar de plano não somente a proposta, mas também o vereador e – por fim – toda a Câmara Municipal. É preciso e é fundamentalmente importante que haja uma posição crítica em relação aos vereadores, ao prefeito, ao governador e a todos os agentes públicos. Mas não é através do escárnio vazio que haverá qualquer otimização dos seus trabalhos.

É preciso estar atento aos caminhos que levam um indivíduo a sair do meio de uma comunidade para se tornar um representante político. A eleição é a escolha de um entre os demais. E estes escolhidos nada mais são que a representação fiel e democrática do que a sociedade é. Não existe político corrupto em sociedade honesta. Não existe político intelectualmente limitado em uma sociedade com alta capacidade de cognição e formação educacional e cultura afiada.

Portanto, gozar de políticos é – veja só! – gozar da própria imagem no espelho.

Nenhum político chegou à condição que está por levitação. Todos foram eleitos e devidamente selecionados por critérios que são pessoais de cada eleitor. A piada que eles são é a piada que a sociedade é. Se são ladrões inveterados, corruptos, burros, incapazes, é preciso saber que foram colocados naquela condição por uma estratificação do desejo popular. E, também, porque saíram do mesmo lugar em que todos os demais membros de um grupo saíram: do meio da sociedade.

Não existe – e soa idiota de ter frisar isto – um nascedouro de políticos que são forjados em condições diferentes do padeiro, do taxista, da dona-de-casa, do comerciante, do médico, do policial. Portanto, o que “eles” são é o que nós somos.

Desta maneira, é imprescindível iniciar um caminho de volta neste processo de indução à putrefação pública da imagem da classe política, uma vez que – fora dela – não há outra solução. “Detonar”, “Humilhar”, e outros verbos muito usados nas redes sociais, os políticos não muda qualquer cenário, não causa nenhuma evolução e nem mesmo corrige erros ou impede crimes que estão em curso.

Rir ou condenar um político ao ridículo é condenar a si mesmo à permanência na mesma condição: assistir a um programa na TV que você mesmo ajudou a colocar no ar e cujo controle está na sua mão. Mas, ao invés de mudar, você prefere xingar o que aparece na tela.

É preciso reconhecer com sobriedade que, fora da Política e seus partidos e nomes, não existe saída popular e democrática, mas sim o totalitarismo e o Estado de Exceção.

É fundamental que o debate seja propositivo e racional. É preciso participar, opinar e somar. Condenar pela legalidade e pelo respeito.

Só rir e apontar o dedo é ser mais uma hiena social.

A sociedade precisa ter uma visão dos políticos longe da condescendência, mas distante do desprezo da piada. Quando se busca corrigir o outro, seja um filho, um empregado ou aconselhar um novo caminho a um amigo, não se faz pelo viés do escárnio e do apedrejamento social, mas pela forma óbvia da racionalidade, do diálogo, do exemplo e, claro, da cobrança.

Quem faz troça do outro não quer a sua correção, mas o seu fim.

E o fim da Política e dos políticos é o fim de qualquer possibilidade de Democracia.

Henrique Morgantini é jornalista e repórter de A Voz de Anápolis

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