Administradora de grupo no WhatsApp é condenada por não coibir ofensas contra um membro

Um administrador de grupo no WhatsApp pode ser responsabilizado pelas coisas faladas lá? Segundo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a resposta é sim, e o acórdão vem causando muita controvérsia no mundo jurídico por abrir um precedente potencialmente perigoso e que pode causar insegurança jurídica no meio digital.

No acórdão unânime proferido pelo desembargador Soares Levada, da 34ª Câmara de Direito Privado, ele determinou a condenação de R$ 3 mil em danos morais para a administradora de um grupo de WhatsApp que não coibiu ofensas contra um membro. “Ré que, na qualidade de criadora do grupo, no qual ocorreram as ofensas, poderia ter removido os autores das ofensas, mas não o fez, mostrando ainda ter-se divertido com a situação por meio de emojis de sorrisos com os fatos”, escreveu o juiz.

Em primeira instância, a juíza Andrea Schiavo, da 1ª Vara Cível de Jaboticabal, deu improcedência para a ação e pontuou que a jovem não postou qualquer mensagem ou deboche praticando bullying. De acordo com os autos, a jovem, que era menor de idade na época, criou o grupo de WhatsApp em 2014 com o objetivo de combinar com seus amigos de assistir em sua casa jogos da Copa do Mundo. No entanto, ocorreram ofensas contra um dos membros, chamado de “bicha, veado, gay, garoto especial, bichona”, entre outros xingamentos.

Soares Levada concordou com a argumentação, afirmando que a jovem de fato não participou diretamente das ofensas, mas reverteu a decisão em favor do autor com a argumentação de que como administradora do grupo ela deveria ter agido para evitar o bullying e remover as pessoas que falaram as ofensas. “Ou seja, no caso dos autos, quando as ofensas, que são incontroversas, provadas via notarial, e são graves, começaram, a ré poderia simplesmente ter removido quem ofendia e/ou ter encerrado o grupo. Quando o encerrou, ao criar outro grupo o teor das conversas permaneceu o mesmo, como as transcrições juntadas aos autos, cuja autenticidade não é questionada, demonstram à saciedade”, afirmou.

A condenação veio baseada no artigo 186 do Código Civil, que estabelece punições em casos de danos morais por atos ilícitos. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, diz o artigo. O relator também afirma que a punição é muito mais simbólica do que poderia ser. “Claro que entendia muito bem o significado dos xingamentos e as alusões à sexualidade do coautor, mas sua pouca idade deve ser levada em conta para que o valor fixado seja muito mais simbólico, muito mais de advertência para o futuro do que uma punição severa, com peso econômico desproporcional”, finaliza a sentença.

Controvérsia

O acórdão proferido neste caso deixou a comunidade jurídica de cabelos em pé por se tratar de fato inédito e que pode abrir precedente para que outros administradores de grupos no WhatsApp sejam responsabilizados judicialmente por coisas que aconteçam no ambiente virtual. “A decisão é bem controversa”, diz ao E+ o advogado Caio César de Oliveira, do escritório Opice Blum Advogados. “A princípio um administrador de grupo de WhatsApp não tem responsabilidade civil por atos ou ofensas cometidas por um integrante do grupo. Até mesmo porque, esse controle é inviável”, continua.

“Hoje não nos preocupamos com a administração de um grupo, pois a regra é que o administrador não responde civilmente por atos de terceiros. Será que no futuro todos os grupos deverão ter seu próprio “termo de uso” ou as suas regras para esse tipo de situação ou será que os administradores vão ter que criar uma cláusula dizendo que não se responsabilizam por conteúdo vinculado por terceiros?”, questiona.

“Em regra, quem deve ser responsabilizado é o autor da ofensa uma vez que o administrador do grupo não tem essa função de “fiscalizador”. Se todos os membros do grupo forem administradores, eles respondem solidariamente?”, pontua o advogado. Ele também afirma que o acórdão, ao estabelecer a indenização como forma de advertência pode abrir margem para um recurso alegando que a ré foi punida por um fato inexistente.

Oliveira acha que as chances da decisão ser reformada novamente em caso de recursos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo Tribunal Federal (STF) são razoáveis. “Acredito que um eventual recurso para os tribunais superiores seriam no sentido de que a administradora não teria sido a responsável pelo danos ocasionados ao autor da ação, bem como que ela, como administradora do grupo, não teria essa função de moderadora e, por tal motivo, não deveria ter o dever de indenizar”, finaliza. (O Popular)

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