Autismo: Longe do preconceito e cada vez mais perto de uma vida normal

Transtorno já não é mais visto pela comunidade científica internacional como uma condição de saúde totalmente limitante: eles trabalham, estabelecem relacionamentos fortes e, claro, podem sonhar com uma vida autônoma

Felipe Homsi

É claro que é possível viver feliz, principalmente se se tem ao redor pessoas com as quais a vida fica mais leve. E é exatamente esta sensação que se tem ao lado de uma pessoa com o Transtorno do Espectro Autista. E cada vez mais a palavra autismo ou qualquer outra definição vai ficando limitada para expressar com exatidão as pessoas brilhantes que carregam no corpo, mente e coração as particularidades de alguém que precisa, como todos, ser amado e compreendido.

E já que se falou da origem da palavra, é bom lembrar que autismo carrega o prefixo “auto (eu)”, representando uma característica marcante dos autistas: seu mundo não é tão acessível quanto o da maioria das pessoas e nem sempre é possível extrair deles uma resposta imediata a questionamentos. Entres os principais aspectos que podem marcar uma pessoa com esta condição estão dificuldade de contato físico e ainda problemas relacionados à audição, percepção de texturas, entendimento, coordenação motora e lógica. A agressividade e a desatenção também podem se apresentar. Mas isso não quer dizer que um mesmo autista carregue todas estas características.

Mas quem disse que estes indivíduos incríveis precisam ficar limitados? Atualmente, já existem estudos e formas de abordagem que procuram garantir que as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista saiam da sua condição para um nível de desenvolvimento mais elevado, como explica a psicóloga Christiane Ribeiro Santana Martins, que atua há 16 anos na área.

Psicóloga Christiane Ribeiro explica que objetivo da abordagem é fazer autista “sair daquele lugar e ter uma vida normal”

Para ela, um dos objetivos é desenvolver os traços característicos do autista, para que ele possa “sair daquele lugar e ter uma vida normal”. E como “não existe cura”, é preciso dar o máximo de incentivo e estímulo, para que a pessoa com autismo desenvolva habilidades que não conseguiria sem uma abordagem psicológica. A neuropsiquiatria também pode ajudar em alguns casos, com o uso de medicamentos. O ideal é que o tratamento comece no máximo até os seis anos de idade, para que haja um “boom de desenvolvimento”. Existem casos moderados e graves e cada abordagem leva em conta este divisão.

“Lugar do autismo”

Mas de que lugar se está falando quando se menciona autismo? “Desse lugar do autismo, dessa não aceitação do outro, dessa dificuldade de socialização, dessa dificuldade cognitiva, dessa dificuldade de fala, dessa dificuldade sensorial. Esse lugar que incomoda a eles muito e que incomoda o mundo, porque ele não dá conta de ter um contato com esse autista”, explica a psicóloga Christiane Ribeiro Santana Martins.

É verdade. O autista está em um lugar próprio, mas que não justifica o preconceito e falta de conhecimento que a sociedade muitas vezes carrega. “Ele sente a rejeição do outro”, ressalta. A profissional de Psicologia relembra que já recebeu em seu consultório pacientes com “desespero de ser amado, de ser aceito, de ser entendido”. Ela está satisfeita com os resultados que obtêm no tratamento de autistas, mas acredita que “falta união (da sociedade) e políticas públicas” para pessoas com autismo. Ela destaca importantes avanços em Anápolis, como a criação de uma associação para discutir o autismo e propor ações, mas ressalta que o caminho ainda é longo pela frente.

Trabalhar

Alex Ferreira Rosa tem 24 anos e é natural de Anápolis. Por falta de jeito, a reportagem iniciou a conversa com ele falando pausadamente, como se fosse uma entrevista com um estrangeiro. Mas nas primeiras palavras ele já deixou claro que fala como qualquer outro e que tem tanta capacidade de entendimento quanto os demais com os quais ele convive. Em sua sala de aula, ele é o único autista. Alex estuda no Colégio Estadual Zeca Batista, que possui 30 alunos com autismo. No local, 18 profissionais de Educação trabalham com estes estudantes.

Autista, Alex Ferreira mostra com orgulho sua carteira de trabalho: “Tenho que trabalhar”

“Eu lavo roupa, limpo casa, saio para pagar as contas quando chegam, faço as contas na máquina”. Ele enumera com orgulho as atividades que desempenha. Mais do que isso, é consciente de que tem autismo e que possui muitas habilidades incríveis. E esta palavra deve ser repetida porque é incrível a maneira como Alex Ferreira Rosa, no 2º ano do ensino médio, lida com sua própria condição. Ele mora sozinho. Com o dinheiro que recebe do benefício assistencial do Governo Federal, paga as próprias contas, vai ao banco e faz compras.

Colégio Estadual Zeca Batista possui 30 alunos autistas matriculados e 18 profissionais que atuam junto a estes estudantes

“Eu tenho que trabalhar, eu não posso ficar parado”, explica o rapaz, que já trabalhou como empacotador em um supermercado da cidade, mas foi demitido recentemente. “Estou atrás de emprego, mas até agora não chamaram”, repete. Despojado, Alex Ferreira possui dois celulares, um para trabalhos da escola e outro para usar como lanterna. Ele nunca namorou, mas tem vontade, como explicou. E ainda não sabe se quer ir para a faculdade. Uma pessoa decidida? Sim, mas o que ele mais quer ainda não conseguiu: “O que eu mais quero é trabalhar. Eu fui em dez lugares no total. Até agora, nada”. Ele estuda de manhã e tem os horários da tarde e noite livres.

Atípico

Atypical é o nome da nova série de uma das mais novas séries da Netflix, que trata o autismo a partir da experiência de um adolescente. A produção questiona o conceito de normalidade na sociedade e apresenta como um jovem de 18 anos com o Transtorno do Espectro Autista amadurece. Ainda destaca a autodescoberta do jovem, de uma forma muitas vezes bem humorada.

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