Com crise no sistema prisional, violência em Anápolis dispara no começo de 2018

Até a última sexta-feira (12) já ocorreram sete homicídios em Anápolis, mais de uma morte a cada dois dias. Cenário do sistema prisional local está ainda pior do que no mesmo período de 2017 e há risco de conflito entre facções rivais dentro da cadeia pública

Felipe Homsi

Anápolis começou o ano de 2018 mais sangrenta e violenta do que em 2017. Na terça-feira, dia 2 de janeiro, dois agentes prisionais foram executados a tiros em Anápolis. Eduardo Barbosa dos Santos foi morto quando chegava em casa após o trabalho no presídio local. No mesmo dia, Ednaldo Monteiro foi alvejado a tiros por três homens, em frente à floricultura de seu irmão, próximo ao Cemitério São Miguel. E no dia 3 de janeiro, dois dias depois da crise penitenciária instaurada em Aparecida de Goiânia, um preso foi morto decapitado no presídio de Anápolis. Nesta mesma data, a Polícia Civil instaurou uma força-tarefa para investigar as mortes dos agentes.

Foi um início de ano conturbado e assustador em muitas cidades goianas. Com a eclosão de uma rebelião na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto em Aparecida de Goiânia em 1º de janeiro, nove presos foram mortos naquela unidade prisional e mais de 243 fugiram. 71 ainda permanecem foragidos, segundo informações da Polícia Civil em Goiás. No mesmo dia, rebeliões eram registradas em Santa Helena e Rio Verde de Goiás.

Uma rebelião deixou nove mortos na Colônia Agrícola do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia

Em 6 de janeiro, a quarta morte em Anápolis ocorria. Um homem de nome Marcos Vinicius foi morto a tiros no bairro Recanto do Sol. Na madrugada desta quinta-feira (11), Jefferson Cardoso foi alvejado na Avenida Comercial, localizada no Bairro de Lourdes. Ele chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu nesta sexta-feira (12).

Jefferson Cardoso foi alvejado no Bairro de Lourdes

E finalizando um dia sangrento neste início de 2018, Elenilson Alves da Costa, 28, foi encontrado morto com sinais de tiros em uma estrada vicinal próximo à Vila Fabril, ainda em 11 de janeiro. Em um dos bolsos de suas roupas, teriam sido encontradas maconha e pedras de crack.

Elenilson Alves foi morto a tiros em uma estrada vicinal próximo à Vila Fabril

Já nas proximidades do fim-de-semana, a aparente calmaria se transforma em tormenta: na sexta-feira (12), um homem foi morto em uma rua que dá acesso ao distrito de Sousânia durante a madrugada, de acordo com informações preliminares. Segundo pessoas que estiveram no local, o homem, cujo nome não tinha sido divulgado até o fim desta reportagem, estava com marcas de golpes de arma branca, possivelmente um facão ou até mesmo um machado.

Para ilustrar o cenário sangrento no estado durante esse período, é possível ainda citar outros casos em Goiás, que tiveram relação com o sistema penitenciário. Outras situações chocaram a população, como a fuga de 10 presos em Luziânia no dia 6 de janeiro e neste mês uma mulher ainda foi presa em Caiapônia por tentar entrar com drogas no presídio local. Apresentar a realidade prisional goiana pode ser a chave para retratar e ilustrar uma realidade que Anápolis passou a viver já nos primeiros dias de 2018: o sistema carcerário local e no Estado já passa a interferir diretamente na quantidade de crimes que ocorrem na cidade.

Autoridades são unânimes em afirmar que as mortes dos dois agentes e a decapitação de um preso no cárcere local pode revelar uma rede de crimes que parte do presídio e acaba ecoando cidade afora. A começar pelas mortes dos dois agentes no dia 2 de janeiro, o sistema carcerário é visto por autoridades como uma base onde facções brigam por espaço. A execução dos dois servidores do sistema prisional está sendo investigada por uma força-tarefa da Polícia Civil, formada em 3 de janeiro, um dia depois dos homicídios. O Grupo é composto por sete delegados, liderado pelo delegado Titular da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), Valdemir Pereira (Dr. Branco) e ainda 30 agentes que atuam no caso.

Força-tarefa foi montada com sete delegados e 30 agentes para investigar mortes de agentes prisionais

Números de 2017 indicam que em Anápolis houve 165 homicídios na cidade no ano passado, contra 195 de 2016, uma queda de 15%. A maior parte das mortes está relacionada com o uso e o tráfico de entorpecentes, de acordo com a Polícia Civil. Acredita-se que uma parte considerável desses crimes possa ter sido cometida a mando de grupos que atuam no presídio local. Ainda em 2017, catorze pessoas foram mortas durante confronto com a polícia e houve oito latrocínios.

No dia 6 de janeiro, Marcos Vinicius foi assassinado no Recanto do Sol

 Agentes

As mortes dos dois agentes prisionais em Anápolis, Eduardo Barbosa e Ednaldo Monteiro, ainda são envoltas em muitos questionamentos. Por segurança, a Polícia Civil não divulgou detalhes sobre as investigações, mas informou que os trabalhos de apuração das mortes estão adiantados. As informações não são compartilhadas com a mídia e a população, medida tomada para não atrapalhar o curso das coletas de provas e demais procedimentos investigatórios.

Os agentes Edinaldo Monteiro e Eduardo Barbosa e Eduardo Barbosa foram executados no mesmo dia

Familiares e amigos de Ednaldo realizaram um protesto nesta quarta-feira (10), para cobrar celeridade nas investigações sobre as duas mortes. Pessoas próximas ao agente defendem sua inocência. Ele havia sido preso na Operação Regalia II, que investigou uma rede de regalias no presídio de Anápolis. “Foi colocado pela mídia como bandido por estar sendo investigado sem nenhuma prova contra ele, foi desarmado e desamparado por quem devia o proteger. Foi crucificado por quem o sequer conhecia e foi morto por saber demais. Queremos justiça”, foi dito em uma das publicações sobre a morte do agente.

Uma fonte próxima a Edinaldo que não quis se identificar diverge da versão divulgada pelos familiares. Conforme informou, Ednaldo Monteiro facilitava as regalias dentro do Presídio Municipal e passou a lucrar bastante com o esquema. Ainda de acordo com a fonte, Ednaldo parou de ajudar seu irmão, Eliton Monteiro, em uma floricultura da família, pois passava a maior parte do tempo a serviço do sistema carcerário. Monteiro ainda teria chegado a convidar a fonte para participar no trabalho que oferecia regalias a presos, o que foi recusado. O entrevistado mencionou ainda que Ednaldo Monteiro “andou falando demais”.

Sistema prisional dá o tom de alerta na violência

Anápolis viveu momentos de tensão em 2017 quando aproximadamente 600 presos do Complexo Prisional Odenir Guimarães, em Aparecida de Goiânia, foram transferidos para o Novo Presídio da cidade, que não está pronto e ainda não foi entregue à população. A tensão só acabou quando, em agosto, os últimos detentos foram levados de volta para Aparecida. Considerada uma conquista da comunidade no ano passado, a volta dos presos levou a crer que a crise no sistema carcerário poderia chegar a um fim, já que o Novo Presídio poderia servir para abrigar apenas detentos locais.

Nova unidade prisional foi concebida para desafogas o presídio municipal, mas poderá ser usada para receber presos de alta periculosidade

Com a crise penitenciária no Estado, o tema da transformação da nova unidade carcerária de Anápolis em um presídio regional voltou à tona e o Governo do Estado de Goiás iniciou a defesa da regionalização da unidade que está sendo construída na cidade. Já no dia 3 de janeiro, no ápice da crise do sistema penitenciário goiano, o presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras, Jayme Rincon, indicou que o governo poderia utilizar novos presídios em construção no Estado de Goiás para abrigar detentos de alta periculosidade.

Inaceitável

A confirmação veio no dia 5 de janeiro, em entrevista coletiva para apresentação do coronel Edson Costa como diretor geral de Administração Penitenciária do Estado. Conforme informado, os presídios de Anápolis, Formosa, Novo Gama, Águas Lindas e Planaltina irão receber presos de alta periculosidade integrantes de facções criminosas. “Não quero remanejar ninguém, mas os que não se submetem à lei e querem apenas tumultuar e aterrorizar a sociedade, essas lideranças serão transferidas. Não adianta advogado recorrer”, anunciou o diretor geral da DGAP.

Coronel Edson assume Diretoria Geral de Administração Penitenciária e promete transferir presos de maior periculosidade para presídios em construção

Para Gilmar Alves dos Santos, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, a sociedade não pode aceitar novamente a vinda para Anápolis de detentos de outras cidades. “O Estado está praticamente tomando (os novos presídios) das cidades e passando para o Estado para serem presídios regionais”, lamentou. Ele ainda evidencia que a nova unidade está sendo construída apenas com recursos municipais e federais e lembrou que o Estado não tem participação na obra.

Gilmar Alves dos Santos, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, defende que o Novo Presídio de Anápolis não seja regionalizado

O município doou o terreno em 2011 e o valor de R$ 12.991.895,01 foi disponibilizado para Goiás através do Departamento de Execução Penal do Ministério da Justiça – DEPEN/MJ. “A verba não é do Estado, a verba é federal”, reforçou. A obra começou em junho de 2013 e tinha como previsão de término o mês de outubro de 2016. O local irá abrigar em torno de 300 presos.

A intenção inicial era desafogar o presídio municipal, que atualmente abriga 800 presos, em um prédio com capacidade para apenas 270 detentos. Existem outros 600 presos no regime domiciliar. O termo “panela de pressão” é utilizado para retratar a situação nesta unidade. O diretor da unidade local, Walney C. da Cunha, foi procurado pela equipe de reportagem, mas não quis comentar sobre o sistema prisional anapolino. Ele se negou a receber a equipe de reportagem.

Com acesso restrito, presídio municipal abriga 800 presos, o triplo da capacidade

Gilmar Alves, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, promete uma mobilização em torno do tema junto ao Judiciário, para impedir que o Governo Estadual mantenha sua intenção de regionalizar o Novo Presídio. “Não podemos aceitar de braços cruzados”, ressaltou. Nesta semana, uma equipe da AGETOP começou a reforma em toda a estrutura do Novo Presídio, danificado por presos que foram transferidos de Aparecida em 2017. O acesso ao local pela imprensa foi proibido pela Diretoria-geral de Administração Penitenciária. De acordo com informações locais, as partes hidráulica, elétrica, estrutural e parte das celas estão danificadas e precisam de reparo. A expectativa é que a unidade esteja pronta no final de fevereiro.

Reforma no Novo Presídio foi iniciada nesta semana

Prefeitura se esquiva de problema e joga responsabilidade apenas para o Estado

A Gestão Naves vem se mantendo cada vez mais distante quando se fala no Sistema Penitenciário de Anápolis. Ainda durante a vinda dos presos para a cidade em 2017, o prefeito Roberto Naves isentou-se de responsabilidade e transferiu completamente para o Estado o poder de decisão sobre a questão. Desde então, o prefeito pouco falou sobre o tema, mesmo que para explicar ideias ou maneira de a Prefeitura contribuir para solucionar a crise penitenciária na cidade.

Em nota, a Prefeitura informou que, na Segurança Pública, “atua em várias frentes, seja com a oferta do banco de horas para a PM e a Polícia Civil, seja com a limpeza e roçagem de lotes ou o investimento em iluminação pública”.

“Especificamente sobre o sistema prisional, de responsabilidade do Estado, o trabalho da Prefeitura se baseia em sucessivas gestões junto ao Governo de Goiás para que conclua as obras do presídio e dote a estrutura carcerária local de melhores condições de funcionamento”, conclui a nota.

DGAP

A reportagem também entrou em contato com a Diretoria Geral de Administração Penitenciária para saber sobre as reais intenções do Governo Estadual quanto ao Novo Presídio de Anápolis. A diretoria não respondeu aos questionamentos feitos e direcionados para o diretor, coronel Edson. Apesar de comentar que existe a intenção de regionalizar presídios em construção, o Governo ainda não confirmou a informação.

As seguintes perguntas, não respondidas, foram feitas para o Coronel Edson, por meio da Assessoria de Imprensa da DGAP: O novo presídio de Anápolis será regionalizado ou servirá para presos locais? O que falta para o Novo Presídio da cidade ficar pronto? O Governo Estadual, caso transfira presos de alta periculosidade para Anápolis, vai tomar que medidas para que a população não esteja em risco neste processo? O que a SGAP vai fazer para desafogar o presídio municipal de Anápolis, que já conta com o triplo da sua capacidade?

Legendas

Agentes

 

 

Coronel Edson

 

 

Fabril

 

 

Força-tarefa

 

 

Gilmar Alves

 

 

Jefferson Cardoso

 

 

Marcos Vinicius

 

 

Novo Presídio

 

 

Novo Presídio Reforma

 

 

Presídio municipal

 

 

Presídio sem proteção

Um preso foi decapitado no presídio municipal em 3 de janeiro, dois dias depois da rebelião em Aparecida de Goiânia

 

Rebelião Aparecida

 

 

 

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