Com escolinhas vazias, professores temem pelo futuro das crianças após fim do “Esporte Para Todos”

Os professores e coordenadores de diversas modalidades são unânimes em destacar uma preocupação com o novo cotidiano de milhares de jovens que antes praticavam esportes em seu tempo ocioso, mas que, devido ao cancelamento pela gestão municipal, devem ganhar as ruas

 Paulo Roberto Belém

Se existem determinadas políticas públicas que quando saem do discurso agem como uma forma de contribuir para a formação de crianças e jovens como cidadãs, uma delas, sem dúvida, é o Esporte. Não aquele de alto rendimento, mas o que compreende a iniciação esportiva – o primeiro contato de qualquer pessoa com uma modalidade. Em Anápolis, não faz muito tempo que milhares não só tinham essa oportunidade como eram incentivados para isso através do programa Esporte para Todos, que foi extinto no início deste ano.

O programa, que atuou até o mês de dezembro de 2016 atingia, em massa, crianças e adolescentes, mas idosos também se beneficiavam. Para isto, havia a opção para a iniciação e prática de diversas modalidades gratuitamente: atletismo, basquete, basquete em cadeira de roda, capoeira, handebol, hidroginástica, judô, karatê, futebol, futsal, natação, patins, vôlei, vôlei sentado, skate e xadrez. As aulas eram ministradas ou em núcleos próprios ou em conveniados que, ao final, totalizavam mais de 50 em toda a cidade. As instituições são locais reconhecidos na cidade e recebiam o subsídio por parte da gestão municipal.

Prejuízo

Josmar Amaral, presidente da Federação de Judô, lamenta seu tatame vazio: temor pelos jovens nas ruas e à espera que um novo programa

A principal preocupação do presidente da Federação Goiana de Judô, Josmar Amaral, é que a interrupção do programa prejudique o trabalho de inclusão social continuado dos milhares de jovens que eram atendidos não só na modalidade judô. Ele que mantinha convênio para a modalidade que oferecia, anualmente, 550 vagas, critica o desmanche do programa. “A nossa preocupação é não deixar os garotos à deriva sem a continuidade do trabalho sério que foi feito durante todos esses anos”, salientou.

Josmar tem expectativa que outro programa, semelhante ao Esporte para Todos, seja criado o quanto antes. “Isso foge da questão política que eu não quero entrar no mérito”, disse. Enquanto isso, ele confirmou que a solução encontrada para garantir a permanência parcial dos alunos é de a de cobrar por uma participação que era gratuita. “Mesmo com a iniciativa de professores de cobrar um terço da mensalidade normal, não conseguimos retornar não mais que 100 dos 550 alunos que praticavam judô”, lamentou.

 Incerteza

Por outro lado, quem não tem muita expectativa pela volta de um programa similar ao Esporte para Todos são os responsáveis pelo convênio, até o ano passado, da modalidade futsal. A diretora da escola conveniada, Ivonete Ferreira, afirmou que todos foram surpreendidos com a interrupção do programa em janeiro.

“À época da campanha eleitoral até o fim do ano passado, a notícia que tinha era de que o programa não iria acabar, mas sim ser ampliado”, lembrou ela. O fundador da escola, Adail Pontes, complementou que 90% do público da escola é formado por jovens carentes e que precisam do auxílio.

 

“Já vi aluno nosso pedindo moeda na rua”, lamenta ex-integrante de programa

Assim como Josmar, Ivonete e Adail também veem preocupação quando os jovens não estão sob os cuidados da prática esportiva. “Eu penso é na própria segurança deles porque, hoje, ou eles estão jogando no feirão, à mercê de malandros, ou estão na rua”, denuncia.

Ivonete e Adail revelam preocupação com a inclusão social das crianças antes atendidas por eles: abandono

Ivonete faz uma revelação triste sobre a realidade das crianças antes atendidas pelo programa: já viu crianças em condição de rua, pedindo esmola. “Até pedindo moedas em porta de supermercado eu já vi um ex-aluno nosso”, emociona-se Ivonete.

O fundador da escola, Adail Pontes, ainda criticou a falta de abertura da Secretaria Municipal de Esportes para tratar da situação. “Estamos sendo desvalorizados”, disse ele. O relato do casal deixa claro o potencial de inclusão social do Esporte e de programas como este. O “Esporte para Todos” chegou a atender 16 mil crianças e jovens na cidade.

Desesperou

A dona de casa Gislane Maria dos Santos é mãe do pequeno Gustavo de seis anos que só não deixou de praticar a modalidade futsal este ano por conta da doação de bolsa.

Gislaine e o pequeno Gustavo: família só conseguiu manter atividade porque ganhou bolsa para este ano

“Não fosse isso, ele não estaria aqui porque sou quem o trago para praticar e o gasto é alto com passagens de ônibus”, disse. A dona de casa afirmou que quando tomou conhecimento da interrupção do programa, se desesperou.

“Pensei que teria que deixar meu filho, um campeão, em casa, mas conseguimos a bolsa. Agora eu me preocupo com tantas outras mães que não tiveram essa mesma oportunidade”, citou ela, que espera uma explicação do prefeito pela suspensão do programa.

 

 

Com 1,87 aos 14 anos, jovem lamenta não poder mais praticar o basquete

David Alves, apesar de ter 14 anos, tem exatos 1,87 m de altura. Ele conta que seu interesse pelo basquete partiu do momento em passou, por acaso, em frente à sede da Associação de Basquete de Anápolis, comandada pelo professor Moisés da Silva. “Pela minha estatura, fui abordado pelo professor e ele me perguntou se eu me interessaria em aprender basquete”, disse o jovem. Naquele mesmo dia, ele procurou a sua mãe que o matriculou sem pagar nada. “Competi, inclusive, fora do estado”, lembrou David.

A diarista Lúcia e o atleta David: ela não tem condições de pagar pelas aulas, ele sofre pela paixão pelo basquete

Atualmente, com a extinção do Esporte para Todos, o jovem deixou de praticar a modalidade por não ter condições de pagar a mensalidade, disse a mãe do garoto, a diarista Lúcia Alves. “Quando ele estava no basquete, era uma segurança para mim porque evitava que ele ficasse na rua. Hoje sou só preocupação quando não estou em casa”, lamentou a mãe.

Crueldade

Quem lamenta, também, é o ex-professor de David, Moisés da Silva. Só no núcleo de basquete comandado por ele eram 350 crianças e que hoje são 30 que permaneceram por ter condições de arcar com a mensalidade. “O que está se fazendo com essa garotada é cruel”, chamou a atenção.

Desolado, Moises observa sua quadra vazia: onde havia 350, hoje tem 30; “deveriam ter pensado antes de fazer essa atitude”, critica

Moisés ainda disse que o município deveria ter tido criatividade para que o programa não fosse interrompido. “O que é para a Prefeitura contratar professores com cargos de confiança para suprir essa demanda?”, argumentou.

A preocupação de Moisés é a de que mesmo se algum programa similar retorne, não tenha a mesma adesão de antes. “Enquanto esse intervalo é imputado, o que os jovens estão fazendo no tempo ocioso? Acredito que deveria ter se pensando mais nas pessoas e não ter deixado que essa situação ocorresse”, finalizou o professor.

Resposta

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Esportes afirmou que o programa Esporte para Todos tornou-se o Esporte em Ação e que, em substituição aos convênios, foram firmadas parcerias com algumas instituições, mas não explicou como funcionam tais parcerias. Sobre novos convênios, a nota justificou que eles vão ocorrer atendendo os critérios do Marco Regulatório do Esporte, mas não especificou data para que isto ocorra e nem de que forma funcionará.

A reportagem também quis saber o que a Secretaria pensava em relação ao prejuízo de crianças e jovens que estão desassistidos até agora por algum programa de iniciação esportiva, mas a justificativa não foi dada. Também não foi explicada a dinâmica de atuação do novo programa, sobre a quantidade de vagas e nem se todas as modalidades ofertadas pelo antigo Esporte para Todos serão mantidas.

 

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