Com triplo da lotação, cadeia pública pode ser interditada pela Justiça

Anápolis aguarda Governo Estadual reformar e terminar novo presídio, que desafogaria o improvisado presídio, hoje com 800 detentos: na última quarta-feira (04), Conselho na Comunidade na Execução Penal fez requerimento pedindo interdição da cadeia

Felipe Homsi

Começou como um filme curta-metragem, virou um longa-metragem, foi transformado em uma série de TV e agora é uma novela diária com um episódio mais surpreendente a cada dia. Tudo poderia correr assim, caso não estivesse em jogo uma questão de segurança pública e de respeito às mínimas condições humanas.

Assim se define os episódios recentes do sistema carcerário anapolino. Começou no dia 23 de fevereiro, quando uma briga de facções no Complexo Penitenciário Odenir Guimarães (Aparecida de Goiânia) levou a Secretaria de Segurança Pública a enviar para Anápolis aproximadamente 600 presos daquela unidade.

Os detentos foram encaminhados para o novo presídio de Anápolis, que ainda não foi sequer terminado. A obra tem mais de três anos de atraso desde a última previsão do Governo Estadual. E lá ficaram até seu retorno, em 8 de agosto, após a mobilização da população, autoridades, imprensa e demais lideranças. Apesar da volta dos detentos para Aparecida, a novela continuou produzindo capítulos cada vez mais surpreendentes.

Após a saída dos presos do presídio inacabado, o que se esperava era a retomada das obras para finalizar o projeto e, ainda, uma reforma tendo em vista que houve depredação do espaço que ainda não tinha sido concluído. Mas não foi o que aconteceu. A gestão estadual de Marconi Perillo simplesmente fechou os olhos para a cidade e deixou de lado: o presídio está como foi deixado desde a saída dos presos: abandonado, inacabado, depredado.

A situação deixada aliada à contínua superlotação da cadeia pública que há anos foi improvisada como presídio municipal levou esta triste novela mexicana a ter um novo capítulo: na última quarta-feira (04) o presidente do Conselho na Comunidade na Execução Penal em Anápolis, o advogado Gilmar Alves dos Santos, pediu a interdição do presídio municipal, para que a unidade “não receba mais presos”. Este capítulo pode estender ainda mais a agonia e a transferência de presos para o novo presídio.

Fuga

O pedido de interdição foi feito ao Ministério Público e à Vara da Execução Penal, por meio da promotora Karina D’Abruzzo para a juíza Lara Gonzaga de Siqueira. Ainda não existe previsão de data para que o Judiciário tome uma posição. A decisão do conselho veio após a fuga, nesta quarta-feira, de quatro presos daquela cadeia pública. Anteriormente, na semana passada, mais três presos também haviam fugido. A superlotação impede que haja a permanência dos presos e até mesmo o controle por parte dos agentes de tudo o que acontece na unidade.

Presídio Municipal não possui infraestrutura para abrigar os atuais 800 detentos

O local funciona bem acima da sua capacidade, com aproximadamente 800 presos. O espaço disponível é para no máximo 270 detentos, conforme últimas informações repassadas pelo Conselho de Execução Penal. Para o ano que vem, a expectativa é que a população carcerária chegue a 1000 presos, quase quatro vezes o suportável para a estrutura existente.

Com a fuga, chega a sete o número de presos que escaparam do presídio em menos de uma semana. No domingo (1), três detentos se aproveitaram da visita familiar e conseguiram escapar. Após esta série de acontecimentos, Gilmar Alves anunciou que faria o requerimento para interdição da cadeia. A superlotação do Presídio Municipal e os atrasos no novo presídio prometido pelo Governo Estadual fizeram com que o sistema carcerário anapolino chegasse a níveis nunca antes presenciados pela comunidade e autoridades.

Local onde uma fuga ocorreu no domingo

“O presídio, além de ser arcaico, prédio antigo, mal acabado, não tem estrutura para manter 800 pessoas. A estrutura lá é para manter 300 e olha lá”, explicou Gilmar. “No ano que vem, se aumentar essa quantidade de população da cidade, é para chegar a mil”, continuou. Conforme pontuou, o ideal é que a unidade prisional pública de Anápolis tenha no máximo 270 detentos.

Novo presídio

A comunidade anapolina espera pela reforma e inauguração do novo presídio de Anápolis. No dia 8 de agosto, após mobilização da comunidade anapolina, os últimos presos de um grupo de 600 detentos foram enviados desta nova unidade prisional, ainda não inaugurada, de volta para a penitenciária Odenir Guimarães, em Aparecida de Goiânia.

Agora, uma unidade que não foi concluída, precisa ser reconstruída em alguns aspectos para, somente depois, ser inaugurada e entregue à comunidade. A expectativa é que parte dos presos do presídio público municipal seja deslocada para aquele complexo. “Não tem previsão para começar a reforma”, explica Gilmar Alves.

Governo do Estado ainda não iniciou obras de reforma e conclusão no novo presídio

Desde o retorno dos presos, Anápolis espera a conclusão da nova unidade carcerária, que poderá desafogar o sistema penitenciário anapolino e fazer com que o Presídio Municipal não se torne um “barril de pólvora”, como avaliam alguns especialistas. Além da estrutura, o novo presídio precisa de mais iluminação, uma linha de ônibus para visitantes e funcionários, sistema de abastecimento de água adequado e equipe profissional.

 

Chegada diária de presos cria barril de pólvora e impede controle interno de armas e drogas

“Vim devolver o cliente de vocês”. Com esta frase, um agente prisional do Distrito Federal encaminha para dentro do presídio municipal um detento que estava cumprindo pena em Brasília. Como também cometeu crime em Anápolis, terá que ficar preso na cidade por mais um tempo.

Preso é encaminhado para o presídio municipal. Expectativa é que em 2018 unidade chegue a 1000 detentos

Assim como ele, diversos outros presos chegam todos os dias, fazendo com que a unidade prisional se transforme em um “barril de pólvora”, nomenclatura utilizada por muitos para caracterizar aquele local. “Nós chegamos ao fundo do poço. Anápolis, em matéria de carceragem, chegou ao fundo do poço”, explica o presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, Gilmar Alves. “Foi feito um pente fino (junto aos presos). Tinha muita arma”, acrescentou Alves. Ele evidencia ainda que é feito constantemente uma revisão das penas, em trabalho conjunto com o judiciário, trabalho que contribui para que a lotação não seja ainda maior. “Não tem ninguém lá que tem condições de sair”, menciona.

“A verdade é que quem está lá é quem quer ficar, quem quer cumprir sua pena. Porque, se eles se revoltarem e quiserem sair, os sete a oito agentes que estão lá não seguram. Os presos que estão lá, de certa maneira, estão cumprindo o que determina a lei, cumprindo sua pena para sair. Mas tem alguns que querem sair. Então, na hora em que estourar, ninguém segura”

“A qualquer momento pode ter uma catástrofe, pode ter um acontecimento… pode haver mortes, porque a situação é desumana”, responde. O número de agentes – sete por turno, dificulta ainda mais o trabalho. Uma fonte do presídio que não se identificou afirmou que são, na verdade, 15 agentes por turno, contrastando com as informações apresentadas pela execução penal. Gilmar conclui afirmando que “é muito fácil” fugir do presídio.

Senado analisa alterações na Execução Penal

Nesta quarta-feira, foi aprovada pelo Senado uma série de alterações na Lei de Execução Penal, com o objetivo de combater o crime organizado nas cadeias, humanizar as condições carcerárias, reduzir a superlotação e rebeliões e incentivar o trabalho dos presos.

As alterações irão agora para análise da Câmara dos Deputados. No cerne da proposta, está a diminuição do poder do crime organizado nos presídios, o fim do limite de um ano para transferências para unidades de segurança máxima, instalação de telefone público com uso monitorado com o objetivo de evitar tráfico de celulares; e a oferta de produtos de higiene para coibir comércio clandestino.

 

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