Desmanche do “Esporte Para Todos” e calote na Lei do Bolsa Atleta revelam o abandono do Esporte

Há exatos 11 meses, desde quando assumiu a gestão Roberto Naves, cerca de 15 mil jovens estão desassistidos na inclusão esportiva e atletas de destaque estão sem receber a bolsa garantida pela Lei 3601/2011, dedicada para que houvesse o fortalecimento do esporte na cidade

Paulo Roberto Belém

Um ano para ser esquecido. É essa frase objetiva que é considerada por agentes ligados ao Esporte quando se questiona qual o balanço que se pode fazer de 2017 considerando o incentivo do executivo ao setor em Anápolis. A nova gestão municipal – sob comando de Roberto Naves – assumiu, trouxe a expectativa de novas ideias, mas nenhuma delas foi aplicada ao Esporte.

Ao invés de fortalecer a área, o cenário que os esportistas da cidade estão vivendo é o desmanche de ações específicas, praticadas até 2016, e que tinham o objetivo de fortalecer o esporte municipal, da iniciação ao incentivo dos expoentes, ou seja, os atletas competitivos. Este desmanche acontece há exatos 11 meses.

O fim melancólico do programa de iniciação esportiva e com forte apelo social começou discretamente. O Esporte Para Todos sofreu uma mudança de nome para, logo depois, ser deixado à mingua. Quem lembra saudoso do “Esporte para Todos”, criado em 2011 e desenvolvido até 2016, é o presidente da Federação Goiana de Judô, Josmar Amaral. Desassistido em relação à manutenção do convênio que a entidade tinha com a Prefeitura até o ano passado e que permitia que 550 crianças e jovens praticassem judô simultaneamente, ele diz viver na expectativa do retorno de um novo convênio. “Até o momento, nada”, citou.

Prejuízo

Amaral também falou da quantidade de crianças e jovens que era atendida pelo programa em todas as modalidades que integravam o projeto. “Em Anápolis, eram 15 mil garotos. Antes, eles estavam monitorados, gastando energia, agora essas crianças estão na rua, sem qualquer atividade. É um prejuízo”, define.

Josmar Amaral, presidente da Federação Goiana de Judô, com seu dojô vazio lamenta o fim de um trabalho social: falta levar o esporte aos bairros e à população carente

Ele cita os conceitos que estão sendo deixados de ser ensinados a esses jovens em sua modalidade específica. “O judô preza muito pela educação, por uma filosofia de vida. O judô melhora a conduta de quem pratica”, defende. E complementa. “Esse trabalho social, de se levar o esporte para os bairros, é muito bom para a sociedade. Isso está faltando”, concluiu.

Interrupção

Quem também falou desse prejuízo, foi o presidente da Associação de Basquete de Anápolis, o professor Moisés da Silva. Para ele, em 2017, não houve o chamado “esporte de inclusão”. “Pode-se fazer muito mais”, chamou a atenção. Pelo basquete, cerca de 350 jovens deixaram de ser assistidos neste ano e o professor é bem objetivo quando questionado se conseguiu, mesmo sem o apoio municipal, manter alunos treinando gratuitamente. “Não tem como. Quem é que banca o professor? O professor precisa ser pago, o professor também e gente”, considera.

É justamente no basquete que o jovem David Alves é prejudicado pela interrupção do programa. Aos 14 anos e um com uma estatura de exatos 1,87 m, ele ainda vive a espera do retorno da oportunidade de poder praticar a modalidade gratuitamente com o apoio das escolinhas. “Ainda gosto do esporte e tenho esperança de voltar”, disse ele ao lado da mãe, a diarista Lúcia Alves, que também lamenta a extinção do programa. “Quando ele estava no basquete, era uma segurança para mim porque evitava que ele ficasse na rua. Hoje sou só preocupação quando não estou em casa”, lamentou.

Ao lado da mãe, o jovem David vive a esperança do retorno das escolinhas: 1,87m de talento e expectativa

 Criada em 2011, mesmo sendo lei, Bolsa Atleta deixou de ser cumprida

Se por um lado a iniciação esportiva está prejudicada, os atletas anapolinos mais competitivos também lamentam o não incentivo ao esporte em 2017 através do não pagamento das bolsas remuneradas que eram concedidas através do Bolsa Atleta. O que piora o cenário é que o incentivo a esse grupo de atletas não poderia ter sido interrompido, pois se trata de uma lei municipal.

Não cumprimento da lei e o consequente não pagamento das bolsas influenciam diretamente na vida esportiva dos atletas

O presidente da Federação Goiana de Judô também comentou o não pagamento das bolsas e considerou a atitude uma “ingerência”. “Isso é um problema muito grande para os atletas. Não ter pago por um motivo ou por outro, é muito ruim”, constata.

O não cumprimento da lei e o consequente não pagamento das bolsas influenciam diretamente na vida esportiva dos atletas que podem fazer de Anápolis referência no esporte em várias modalidades. Um deles, está no judô. O jovem Hérlio Júnior, campeão sul-americano de Judô no ano de 2015 na Argentina, lamenta não poder contar com a remuneração que a principio é garantida por lei. “Não fosse o auxílio da bolsa esportiva estadual, estaria totalmente desassistido”, comentou.

Campeão sul-americano de Judô em 2015 na Argentina, Hérlio Júnior é fruto do Esporte para Todos e lamenta estar desassistido por não cumprimento da lei: de um lado a medalha, de outro, a mão vazia

O atleta, que é fruto do extinto “Esporte para Todos”, diz estar esperando pela bolsa municipal. “A junção das duas bolsas, ajudaria muito. Porque os gastos que a gente tem para nos manter competitivos vão muito além”. Ele define como gastos, mensalidade de academia, preparação física, alimentação e suplementação. “Atleta de ponta, é complicado. Para você ter o rendimento satisfatório, tem que ter essa estrutura e isso demanda dedicação exclusiva”, disse o pai do garoto, Hérlio Mariano.

No Atletismo e no Basquete, atletas também reivindicam lei

Praticantes de Atletismo, os atletas da equipe HJ/Shorikan/Gomide, Kevin Cesar e Victor Assis iniciaram a prática do esporte ainda nos tempos de colégio. Hoje, ambos têm experiência na modalidade e acumulam competições e medalhas. Nessa condição, os dois tem um pensamento comum: ter possibilidade de manter o ritmo de treinamentos e competições.

Kevin Cesar vê no Atletismo mais que um Esporte: “Não é brincadeira, é um trabalho”, diz

Especialista em provas de velocidade, o mais experiente, Kevin, enxergava 2017 como o ano que seria possível ter chances de conquistar a remuneração da Bolsa Atleta. “Nesse ano, eu seria facilmente contemplado por conta da minha pontuação, mas não houve nem inscrição”, disse. Atualmente, é o trabalho de pintor e a remuneração da bolsa estadual que garantem a permanência dele no esporte. “Com a bolsa do município, facilitaria mais, porque quando ela era paga (a bolsa) não tinha atraso, diferente da do estado”, contou, complementando que para ele esporte não é brincadeira. “É um trabalho”, define.

Sem apoio

Aos 18 nos, o interesse de Victor é pelas provas de distância. “Eu corro pelas provas de 1.500 e de 5 mil metros”, cita. Diferente de Kevin, ele não tem nenhum apoio financeiro e critica o não cumprimento da lei. “Como a gente não tem ajuda, o gasto só do bolso fica complicado. Geralmente, têm pessoas que param com o esporte porque não tem esse incentivo da bolsa. Fica difícil competir em alto nível assim”, observa.

Especialista em provas de longa distância, Victor Assis pergunta: “cadê o dinheiro”?; Ele diz que têm pessoas que param com o Esporte porque não tem incentivo da bolsa

Quem também tem esperança em ver a lei do Bolsa Atleta sendo cumprida é o atleta do basquete Igor Lins, de 15 anos. Para ele, não é sempre que o pai ou mãe consegue manter a vida esportiva do filho. “A gente quer evoluir em todos os aspectos dentro do esporte. Quer ter equipamentos bons, condições de manter a atividade esportiva e essa remuneração poderia proporcionar. É um prejuízo para o esporte ela não estar sendo paga”, concluiu.

Atleta do Basquete, Igor Lins considera um prejuízo Bolsa Atleta não estar sendo paga: não é sempre que o pai pode pagar

Prefeitura não tem previsão de retorno de convênio ou de cumprimento da lei

As últimas informações do Executivo a respeito do retorno destas duas ações específicas eram de que elas estariam sendo reformuladas. Sobre os convênios para a iniciação esportiva, eles passariam a atender ao novo marco regulatório, mas ainda não houve posicionamento do gabinete municipal sobre de que forma e quando será efetivado.

Segundo a diretora de uma escola conveniada na modalidade futsal através do extinto “Esporte para Todos”, se vier algum tipo de convênio, virá de forma inviável. “Ouvi dizer que a ideia é custear com R$ 50 mensais cada aluno atendido, sendo que as despesas com professores e aluguel de espaço deverá ficar com as instituições”, especula. O fundador dessa escola, Adail Pontes, acredita que dessa maneira as receitas ficarão menores que as despesas com a manutenção das escolinhas. “Se não for viável, vou pensar se compensa manter algum convênio com a Prefeitura”, sugere.

Secretário de Esportes, Gerson Santana diz que a gestão trabalha de acordo com a sua disponibilidade financeira e não sabe quando incentivos voltam

Sobre o cumprimento da Lei, o Secretário de Esportes, Gerson Santana, se posicionou sobre o assunto argumentando o caráter autorizativo da legislação. “A gestão pode trabalhar de acordo com a sua disponibilidade financeira”, explicou, complementando que a intenção do gestor (prefeito) ter começado o processo de estudo para alcançar o objetivo de atingir mais pessoas também justifica o não pagamento em 2017.

 “Esporte para Todos”

O programa, que atuou até o mês de dezembro de 2016 atingia, em massa, crianças e adolescentes, mas idosos também se beneficiavam. Para isto, havia a opção para a iniciação e prática de diversas modalidades gratuitamente: atletismo, basquete, basquete em cadeira de roda, capoeira, handebol, hidroginástica, judô, karatê, futebol, futsal, natação, patins, vôlei, vôlei sentado, skate e xadrez. As aulas eram ministradas ou em núcleos próprios ou em conveniados que, ao final, totalizavam mais de 50 em toda a cidade. As instituições são locais reconhecidos na cidade e recebiam o subsídio por parte da gestão municipal.

 Bolsa Atleta

Instituído pela lei municipal 3.601 em 2011 e alteradas pelas leis municipais 3.612/12, 3.682/13 e 3.810/15, o programa concedia incentivos que variavam entre R$ 200 a R$ 500 com vistas à manutenção pessoal mínima aos atletas na busca de rendimentos. Se estivesse valendo, de fato, em 2017, somente o Bolsa Atleta poderia estar atendendo 49 esportistas em 17 modalidades distintas, entre elas, o atletismo, basquete, ciclismo, futsal, handebol e natação que apresentam a maior possibilidade de bolsas que poderiam ser ofertadas.

 

Notícias Relacionadas