Entre discursos de municipalização e de resolver “problema de vez”, Anápolis novamente já sente falta de abastecimento

Mais de 10 bairros de Anápolis já começam a sentir o mesmo drama de todos os anos: o desabastecimento de água. Com a torneira seca, a única vazão que existe é a das promessas; entre o discurso de municipalização e os compromissos não cumpridos dos últimos 19 anos do Governo Marconi Perillo, tudo segue tristemente igual na cidade

Henrique Morgantini (com Paulo R. Belém)

Dona Aparecida, do Bairro de Lourdes, tem medo de abrir a torneira e não sair água. Cleudes, do Centro, faz marmitas para vender e já não sabe como vai atender os clientes, já que – sem água – não consegue trabalhar. Visitado na quarta-feira (13), Miro, também do Centro, dizia estar sem água desde domingo.

Estes são os relatos de gente do povo, colhidos na última semana, neste ano de 2017. Mas eles poderiam ser de cinco, dez ou quinze anos atrás. A história da falta de água na cidade de Anápolis é crônica e de tanto se repetir parece fazer parte da rotina da cidade, que vem, tristemente, se acostumando com ela, como uma dor que nunca passa, um mal que nunca se cura.

A Saneago tem o compromisso de fornecer água e tratar o esgoto dos anapolinos desde 1972, quando a cidade cedeu a concessão da exploração com exclusividade para a estatal. O prefeito era Henrique Santillo. O contrato foi prorrogado em 1997, 25 anos depois, pelo então prefeito Adhemar Santillo, irmão de Henrique e a empresa goiana ganhou o direito de explorar o serviço por mais 25 anos. O contrato vence em 2022. Portanto, por 45 anos uma única empresa lucra com as contas de água da cidade sem nunca ter conseguido atender ao objetivo principal de seu contrato e sua missão no município: atender a todos os anapolinos.

Dos 45 anos, há 19, a empresa estatal está sob o comando do mesmo grupo político. Marconi Perillo, governador por quatro mandatos, tendo ainda eleito seu vice uma vez, vem repetindo uma mesma história: a de que vai resolver o problema da água com investimentos milionários. Há 19 anos, tão certo quanto uma versão triste de um Natal ou um aniversário, na mesma época do ano, o anapolino abre a torneira e não sai nada. Tão certo quanto o desabastecimento é o boleto: a conta d’água vem religiosamente todo início de mês.

Discurso

O prefeito Roberto Naves, quando ainda era Roberto do Órion, montou um discurso de marketing político explorando este drama da vida dos anapolinos. Ele tinha a solução. Chegou a deixar-se gravar em áudio e vídeo explicando como seria: se eleito fosse, colocaria fim ao problema da água já no primeiro ano de mandato através de uma medida direta, a municipalização da água. Órion propôs uma gestão compartilhada: faria a licitação do esgoto e, com o direito apurado, investiria milhões em obras para que a água chegasse os anapolinos.

Mas parece que as promessas de Roberto do Órion não valem para Roberto Naves. Assim que foi eleito, após receber uma ligação de Marconi Perillo, mudou a conversa: agora, passaria a cobrar da Saneago investimentos. Daquela ligação em outubro de 2016, até setembro deste ano, o político tomou posse e deu várias versões sobre como combateria a falta de água. Até agora, todas se resumiram no mesmo fracasso: o anapolino está sem água.

O prefeito ofereceu dinheiro para a Saneago fazer as obras, lançou holofotes sobre visitas à estatal e em diversas reuniões com o governador e com o presidente da estatal, Jalles Fontoura e fez de tudo, menos trazer à tona o que o anapolino mais esperava dele e o que fez vencer a eleição: levar adiante o projeto de municipalização da água.

O discurso foi enterrado, sepultado e o termo “municipalização” foi proibido no discurso do prefeito e de todos os seus aliados. É como se não existisse.

Transposição

Juntos, passado e presente de promessas para a população de Anápolis em nome da solução para o abastecimento de água se reuniram no dia 21 de junho deste ano. Em um grande evento, o prefeito Roberto Naves, o deputado Jovair Arantes e o governador Marconi Perillo criaram uma espalhafatosa agenda política para anunciar a medida que seria o fim dos problemas. Para Perillo, era o fim de 19 anos de ações ineficazes. Para Naves, a chance de – de vez – nunca mais precisar falar em municipalização.

Grande evento, pouca solução: o governador Marconi Perillo e o prefeito Roberto Naves (no meio está Jovair Arantes, deputado federal) realizam agenda política usando a água como tema, para anunciar a transposição do Capivari

A saída para ambos foi anunciada sob a forma de uma medida emergencial para evitar que faltasse água já em 2017 através de um pacote de obras do Goiás na Frente em Anápolis.

Segundo a mídia oficial da Prefeitura, as obras elencadas naquela época devem acabar no fim deste mês. Entretanto, a gerente de operações da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, cita que muitas destas intervenções ainda precisam ser realizadas.

Foto de divulgação de diversas etapas da obra emergencial, anunciada para já resolver o problema em 2017: estatal diz que faltam peças para concluir projeto

Segundo a gerente, a chamada transposição do Capivari está em andamento. “A parte de tubulação foi concluída”, anuncia. Ela diz que está dependendo da chegada de algumas peças para terminar as intervenções. “Enquanto isso, estão sendo feitos os pilares das travessias aéreas, outras travessias e, após isso, a regularização da bomba de captação”, explicou, confirmando a previsão inicial para o término da obra para o fim de setembro.

Gerente da Saneago nega falta de água e rebate moradores: “está tudo bem”

Algumas reclamações de falta de água que partiram de vários setores de Anápolis foram levadas para a gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano. A gerente, que se orienta por gráficos online para avaliar os níveis dos reservatórios de toda a cidade, sugere que o que está ocorrendo são problemas pontuais ou de manutenção. “Não está tendo problema de falta d’água porque a vazão está normal, a nossa produção está a mesma”, alega, observando seus gráficos online. Enquanto isto, nas ruas de mais de uma dezena de bairros, donas-de-casa, crianças e trabalhadores buscam cisternas para poderem cozinhar, beber ou tomar banho.

A gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, observa os gráficos de seu escritório que mostram a vazão normal da água: nas ruas, pessoas fazendo o “tráfico” de água com baldes atrás de uma cisterna disponível

Segundo a gerente, estes indicativos que ela observa para detectar problemas de falta d’água são atualizados várias vezes ao dia. “A população não precisa se preocupar”, pondera. Tânia se anima justificando os mesmos indicativos que ela tinha no ano de 2015, considerando que o desabastecimento naquele ano. “Foi caótico porque na maior parte do tempo, naquela época, a operação do sistema estava abaixo do normal”, recorda.

Mesmo segura do que disse de que não irá faltar água em Anápolis em 2017, Tânia faz um alerta da situação que, segundo ela, foge dos seus cuidados. “A gente tem que tomar cuidado porque quando eu falo que não vai faltar, eu esqueço de mencionar que a população precisa continuar não desperdiçando água. A questão climática não está no nosso controle”, ressalta.

Como está o abastecimento de água no seu bairro?

A Voz de Anápolis coletou na última semana diversas informações sobre setores distintos da cidade com problema de abastecimento de água. Pela diferença geográfica das regiões, é cada vez mais difícil creditar a situação a um problema pontual, como alega a gerente da Saneago, Tânia Valeriano, uma vez que os indícios de falta de água são descentralizados, atingindo regiões distintas e distantes uma das outras.

Ainda assim, a reportagem visitou algumas destas regiões onde foi registrado o problema e conversou com alguns moradores. Em alguns bairros, o “estar bem” divulgado pela gerente da Saneago foi encarado com revolta. Acompanhe os relatos, captados na última quarta-feira (13).

Aparecida Ferreira de Souza – Bairro de Lourdes

“Péssimo! Falta e ficam dois, três dias sem água. Eu e os meus vizinhos, nessa época, vivemos com medo de abrir as torneiras e não sair nada. O que resolve aqui quando falta são as cisternas que poucos vizinhos ainda têm porque a que tinha aqui em casa, mandaram desligar”.

 Cleudes Maria Ferreira – Centro

“Estou sofrendo demais. Sou cozinheira, preparo marmitas aqui em casa para vender e, por exemplo, hoje, está completando três dias sem água. Temos que dar um jeito para trabalhar. Compramos água um dia, outro dia pedimos pros vizinhos que têm uma reserva melhor. Está difícil”.

Divina Oliveira Martins – Jardim Santana

“Nossa! Aqui falta muito! Chegou setembro, torneira seca, casa suja, louças sujas, roupas sujas e a gente só não fica sujo porque dá um jeito”.

Elisabeth Gertrudes Borges – Vila Formosa

“Ano passado foi mais difícil. Nesse ano, até agora, a gente vê que está faltando, mas ainda não está sendo igual ao ano passado. Mesmo assim, eu não arrisco e encho baldes enquanto tem água. A gente fica com medo. Vivo recebendo visitas em casa e sem água não dá! Eu me preparo. A caixa sozinha não dá conta. Se eles não tomarem providência, vai ser essa situação todo ano. Aqui em Anápolis não precisava faltar água porque temos muitos ribeirões”.

Leandro Castro Marinho – Frei Eustáquio

“Aqui no bairro está faltando há três dias. Pra ser sincero, nesse tempo, a cada semana, falta água três dias, no mínimo, se for contar os períodos intercalados. A gente se sente ludibriado porque para Saneago está tudo bem, mas não está. Estamos de mãos atadas porque a gente precisa da água, é uma prestação de serviço que a gente paga caro. Só de rede de esgoto a gente paga o dobro ou um pouco mais que o dobro da água. Aqui no meu comércio estou tomando medidas pra reservar água pra não ter prejuízo. A população está em descrédito com os políticos que dizem que vão resolver o problema da água e nada. Eu acredito que a Saneago deveria pensar em prestar um melhor serviço”.

Maria Bernardo da Silva – Residencial Victor Braga

“Aqui é horrível. Aqui não tem água não. Vivemos à custa das cisternas. É um tal de busca aqui, busca acolá. Água da rua não tem. Quando tem, acaba meio dia e fica o resto do dia sem e chega a passar dois, três dias do mesmo jeito. Se alguém falar que aqui não falta água eu desminto na hora”.

Maria da Conceição Araújo – Jardim Petrópolis

“Não está bom. Pela manhã, a gente acorda e já não tem água. Às vezes à tarde também, na hora do banho. Oscila muito durante o dia. Hora tem, hora não tem. Aqui era um setor muito bom, mas agora está com esse problema. A falta de água é um problema da Saneago porque se a gente não pagar a gente é penalizado. Agora, e a empresa? Quando não presta o serviço? Acontece o que?”.

Miro Soares – Centro

“A gente nunca passou uma situação tão difícil como a desse ano. Hoje é quarta, mas desde o último domingo não tem água. Se tem problema na rede, avisa. Porque assim a gente se prepara. A Saneago precisa vigiar mais, ver o que está acontecendo na cidade em relação à falta de água. A realidade está nos bairros. De reclamar já estou cansado. A gente se sente lesado com essa situação. Se você não paga, eles vêm e cortam. Uma vez, esqueci de pagar uma fatura da minha casa, daí cortaram, eu paguei e ainda tive que pagar pra religar. E com eles? O que acontece quando faz a gente sofrer igual agora?”.

Nilma Silva – Centro

“Como você pode ver, estou com meu balde indo buscar água ali na casa do vizinho que tem caixa maior e está cedendo para mim. Todo ano falta, mas aqui faltava um dia no máximo. Não sei se é por ser na região central. Mas esse ano já faz três dias”.

Sol Lemos – Residencial Copacabana

“Nós estamos sem água e ficamos assim por três dias, quatro dias. Aí volta um dia e depois acaba de novo. É uma rotina. Quem falar que não está tendo problema, eu levo na minha casa. Tenho que incomodar meus vizinhos de bairro até para tomar banho. Não é só eu que reclamo. São todos os moradores, ainda mais aqueles que têm crianças. Chego a comprar água para as emergências”.

Notícias Relacionadas