Famílias dos presos e população não querem que transferência de detentos caia no esquecimento

Prazo prolongado de 135 dias para o retorno dos presos à Penitenciária Odenir Guimarães gerou ainda mais revolta em um caso que se arrasta desde o dia 23 de fevereiro; Até o momento, apenas 80 dos quase 600 detentos voltaram para Aparecida de Goiânia: autoridades justificam a permanência dos detentos por “questões de segurança”

Felipe Homsi

Ninguém espera, um dia, ter de cumprir um cotidiano de frequentar um presídio para visitar parentes. Mas, caso esta tenha de ser – como é – a realidade de milhares de famílias em Goiás, o que se espera, no mínimo, é dignidade para que haja a chama “reeducação” do cidadão. Mas longe do mínimo adequado estão os presos e, principalmente, as famílias dos 600 presos que foram colocados no presídio inacabado de Anápolis por autorização da Secretaria de Segurança Pública, no dia 23 de fevereiro.

Sob o sol, a fila de visitas improvisada é democrática: castiga jovens, idosos e até mesmo crianças aos sábados

Familiares que têm se transferido de Aparecida de Goiânia, Goiânia e outras cidades para ver a situação dos seus filhos, irmãos ou esposos presos em Anápolis não estão indignados com a pena que eles têm que cumprir. A revolta é quanto às más condições que os presos e, principalmente, eles estão tendo de passar para cumprir, além da já penosa rotina de visitas.

No presídio improvisado de Anápolis falta água constantemente, as famílias dos presos não têm banheiros disponíveis e as mulheres precisam ficar nuas durante a revista, uma vez que a unidade não tem detectores de metais ou Raio-X.

Os familiares ainda têm que ficar ao sol durante a fila para entrar no presídio, o tempo de espera para entrar no pátio pode chegar a mais de quatro horas e muitas outras questões relacionadas à falta de dignidade agravam ainda mais a situação.

A intenção das famílias é a mesma da população e das autoridades mais próximas à realidade carcerária da cidade: que as transferências dos presos – tida como emergencial e provisória – não caia no esquecimento e se torne uma rotina, um fato consumado.

Água

Joana Darc da Silva, 42 anos, mora em Goiânia, é diarista e, como várias mães, se sacrifica para ver seu filho, preso por assalto. “Nós não temos condições de vir aqui todo sábado (dia de visitas)”, reclama.“Eu estou indignada com isso daqui. Como nós somos pobres, nós não podemos fazer nada. Simplesmente ficar em uma fila dessas, aceitar, aguentando as humilhações que a gente passa”, conclui.

“Como somos pobres, não podemos fazer nada, só ficar em uma fila dessas, aguentando as humilhações”, afirma a diarista Joana Darc, que sai de Goiânia para visitar o filho

Conforme informou, na semana passada a diarista precisou levar água para seu filho, pois não havia o produto no presídio, uma vez que o abastecimento é inconstante. A água é compartilhada com os agentes, já que eles também ficam sem onde beber. Ela reclama da fila grande para entrar na unidade e o longo tempo de espera. “Sem contar também as humilhações por que nós passamos durante a revista, porque acham que todo mundo é igual”, explanou. “Eu acho uma falta de respeito com a gente: tira a roupa, agacha”, continua.

Sofrimento

A faxineira Marivalda Rodrigues, de 47 anos, reclama da “transferência injusta” do marido. Preso por roubo, segundo ela, ele o que motivou a disputa que causou a vinda de presos à cidade foi “briga de cachorro grande”. “Eles são coitados, tem nada a ver com a briga lá, eles só fugiram da confusão”, diz.

A faxineira Marivalda Rodrigues: “se precisarmos ir ao banheiro, não tem. Vamos no mato”

Marivalda acorda às 4h30 para vir a Anápolis e gasta R$ 200 com Uber para poder ver seu marido. Ela relata o cotidiano dos presos, que passam 22 horas por dia dentro da cela. Esta é a principal diferença que tem gerado insatisfação na população carcerária, porque no presídio Odenir Guimarães, os internos tinham mais liberdade para transitar dentro da unidade.

“Ele fica misturado entre presos de baixa e alta periculosidade e sai às 13 horas para o banho de sol”, explica. Em alguns dias, revela a faxineira, falta água para banho e para beber.

“O dia de visita é isso, sofrimento de todas nós. Nós trabalhamos, gastamos muito para vir de lá para cá. E aqui não tem um banheiro, tem que ir ao mato”, denuncia. Ela também reclama do fato de as mulheres precisarem ficar nuas durante a revista e da falta de privacidade nas visitas íntimas.

Ela, como várias esposas de presos do Odenir Guimarães que viram seus maridos amanhecerem em um local desconhecido por decisão da Secretaria de Segurança Pública está indignada. Conforme informou, ele está há mais de 18 anos preso por furto. Em uma sacola, ela também trouxe mantimentos para o marido.

Pela TV

“A gente senta em um banquinho, sai deste banquinho, vai para um quartinho, tira a roupa, eles mandam a gente virar de frente, de costas, isso eu acho muito desrespeito para a gente. Com os homens eles passam o detector de metais, com as mulheres eles não passam. Na Odenir Guimarães, tinha o detector de metais”.

Este é o relato de Maria Pereira da Silva, de 31 anos, que reclama da forma como as mulheres são “humilhadas semanalmente”. Ela afirmou que não reclamou para as autoridades competentes ou aos agentes sobre a situação, “porque eles não dão moral para o que a gente fala. Eles não ouvem a gente”. Seu esposo está preso há um ano e seis meses, por “157”, nome genérico dado ao assalto a mão armada. Ela não vê injustiça na prisão dele, mas sim na sua transferência, da qual ficou sabendo “pela televisão”, assim como a maioria das famílias de presos, conforme indicou.

Deputado pede que população aguarde prazo dado pela Justiça

Uma das propostas para o novo presídio de Anápolis seria sua regionalização. Na prática, esta medida, caso seja levada adiante, tornaria o local de uso de outras cidades, e não somente do município de Anápolis. A obra, ainda não concluída, tem investimentos totais previstos de R$ 12.991.895,01, por meio do Departamento de Execução Penal do Ministério da Justiça – DEPEN/MJP. Sua idealização levou em conta a necessidade da cidade, cujo presídio local tem hoje o triplo da capacidade. A vinda dos detentos de Aparecida vai na contramão deste propósito.

Carlos Antônio afirma ser contra regionalização e garante estar acompanhando situação

O deputado estadual Carlos Antônio (PSDB), representante da cidade na Assembleia Legislativa, afirma ser contra esta proposta. “Existe uma determinação da justiça de prazo para a volta deles (os presos) para o Complexo de Aparecida e o governo vai cumprir. Tenho a certeza de que eles não vão ficar aqui em definitivo. Sou contra a regionalização do presídio”, elucida.

Ele afirmou que tem acompanhado o processo que envolve a vinda dos presos e informou que “tudo é feito gestão no sentido de acelerar o processo da volta. Agora, se existe um prazo dado pela justiça, a população tem de aguardar o cumprimento”.

Para Onaide Santillo, insatisfação com transferência é um “mal estar natural”

A Superintendente Executiva dos Direitos Humanos no Estado de Goiás, Onaide Santillo (PSDB), explicou que a ida dos presos foi uma situação de emergência para “garantir os direitos dos presidiários de não entrarem em confronto com facções rivais”. Antes de responder à pergunta, ela havia sido questionada se a transferência não feriria os direitos humanos dos presos. Ela entende que seja responsabilidade do Estado e sua obrigação zelar pela segurança dos detentos, o que, no caso da situação em Anápolis, serviu para evitar uma tragédia como a que ocorreu recentemente em Manaus (AM).

Onaide Santillo: transferência foi feita para garantir a vida dos presos

Ela entende que a vinda dos detentos tenha causado de forma “natural” um mal-estar e afirmou que sua pasta está atuando para o retorno dos presos. Ela corrobora a ideia de que esta situação específica do município diz respeito à realidade carcerária do Brasil e que uma das explicações para que Anápolis recebesse quase 600 presos foi a tentativa de “garantir a vida”, evitando-se mortes em rebeliões.

Onaide ainda afirma que quer que esta situação tenha um fim positivo e afirmou que está atuante para que haja o retorno dos presos, após o que chamou de “solução extrema” do Governo Estadual.

Prefeito afirma estar cobrando Governo, mas evita envolver prefeitura no caso

Prefeito de Anápolis, Roberto Naves (PTB) repetiu o que vem dizendo em entrevistas a veículos de comunicação: a responsabilidade pelo novo presídio é do governo estadual. “Nós temos pressionado o governo do estado, cobrado do governo do estado, mostrando que esse presídio foi construído para que? Para a população carcerária da cidade de Anápolis”, destacou. Um dos objetivos, conforme pontuou, é “tirar os presos” e garantir que não vai haver a regionalização da unidade carcerária. Ele entende que, caso o governo do estado não cumpra o prazo de 135 dias para reforma do Odenir Guimarães e retirada dos detentos, “não cabe à Prefeitura” qualquer tipo de medida.

“O presídio é estadual. Então, é muito complicado você falar que vai tomar uma medida. O que nós podemos fazer é o que nós estamos fazendo. É mobilizar a sociedade, é organizar a sociedade, para que realmente a gente mostre esta força da sociedade organizada anapolina e possa estar cobrando do governo do estado. E isso tem sido pauta de todas as conversas que eu tenho tido com o governo do estado”, explicitou.

“Até os presos querem ir embora”, afirma advogado

O presidente Conselho da Comunidade na Execução Penal, Gilmar Alves dos Santos, evidenciou alguns problemas por que passam os presos que vieram de Aparecida de Goiânia. Em alguns momentos, falta água. Apenas 70% do espaço no novo presídio está ocupado – ou seja, quase 600 presos estão em um presídio com espaço para 300, em funcionamento precário. A distância que as famílias têm que percorrer para visitar seus familiares, a falta de banheiros para uso coletivo, a alta exposição dos visitantes ao sol são alguns dos percalços enfrentados.

Gilmar Alves, do Conselho de Execução Penal: somente 70% do presídio está em uso

Conforme elucidou, os detentos “não aceitam ficar” no novo presídio e “querem voltar” para Aparecida de Goiânia. “Estão em um lugar muito apertado”, identificou. “Ele tem o desejo de cumprir a pena, mas tem o direito de ter o espaço adequado”, mencionou sobre os direitos dos detentos, que estariam, conforme informou, ferindo as garantias humanitárias.

Alves garante que não tem chegado mais presos para o novo presídio e que está atuando para que a reforma do Odenir Guimarães seja feita o mais rápido possível. Gilmar também foi questionado se soube de algum posicionamento do Governador Marconi Perillo. “O governador é blindado, nós não conversamos com ele”, resumiu.

“Transferência foi acertada, mas não pode ser definitiva”, analisa juíza de Execução Penal

A juíza da Vara de Execução Penal de Anápolis, Lara Gonzaga de Siqueira, comentou que, em um primeiro momento, determinou o prazo de 15 dias para a volta dos presos a Aparecida de Goiânia, pois não conhecia a realidade do Complexo Penitenciário Odenir Guimarães. A nova decisão, de ampliar o prazo para 135 dias, foi tomada “para que seja possível o retorno desses presos com segurança”.

Juíza que havia dado 15 dias de prazo para retorno revê posições, mas alerta: após obras, presos devem voltar a Aparecida

Sobre a decisão de trazer os presos, ela acredita que, naquele momento, foi acertada: “Ou eles agiam assim, ou iria ter uma matança”. Conforme elucidou, o novo presídio de Anápolis era o mais próximo da entrega. Outras unidades estão em construção nos municípios de Formosa, Águas Lindas de Goiás e Novo Gama. A juíza Lara também foi indagada se a decisão teria sido uma afronta ao judiciário. “Decisão que foi acertada. Lógico que ela não seguiu os trâmites legais, não seguiu. Agora, é uma situação compreensível diante da urgência do caso”. Mas ela cobra que o quadro “não pode ficar definitivo”.

Governo não responde perguntas e afirma em nota ter adotado “medidas possíveis” para garantir segurança

 A Voz de Anápolis entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública. Foram feitas, por escrito, oito perguntas. As indagações, pertinentes e de interesse público, não foram respondidas. Em seu lugar a Superintendência Executiva de Administração Penitenciária (Seap), enviou uma nota.

A Superintendência Executiva de Administração Penitenciária (Seap) da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária esclarece que a transferência de presos da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), em Aparecida de Goiânia, para a unidade prisional de Anápolis, devido rebelião ocorrida no último dia 24 de fevereiro, foi uma medida emergencial e inadiável para se evitar uma tragédia de proporções indesejáveis para o nosso estado.

Mesmo com a medida de transferência, a rebelião deixou saldo de cinco mortos e, não fosse uma imediata ação dos gestores de segurança, o episódio certamente teria causado um número mais extenso de vítimas fatais. A Seap informa que já ajustou com o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Justiça para que todos os presos retornem em até 135 dias, prazo necessário para conclusão das obras na unidade, para que os presos retornem com segurança.

Informa, ainda, que uma comitiva de vereadores de Anápolis foi recebida pelos gestores da Segurança Pública, ocasião em que foram informados dos motivos que levaram a ação e das medidas tomadas para normalizar a situação. Os vereadores acompanharão in loco o cumprimento do prazo ajustado e o retorno dos presos para Aparecida de Goiânia. Esclarece, ainda, que foram tomadas todas as medidas possíveis no sentido de garantir a segurança da população anapolina, bem como dos reeducandos.

Obras do Odenir Guimarães estão na fase “intermediária”

A Superintendência Executiva de Administração Penitenciária – SEAP informou que até meados de agosto deste ano as obras do Complexo Penitenciário Odenir Guimarães devem ser concluídas. A expectativa é que até lá todos os presos transferidos para Anápolis já tenham retornado, conforme nota enviada pela SEAP.

De acordo com o comunicado, 86 detentos “recambiados” para Anápolis já foram mandados de volta para Aparecida. “O objetivo das obras, que se encontram em fase intermediaria, é reparar totalmente a destruição causada no Odenir Guimarães durante a rebelião que causou a morte do traficante Thiago ‘Topete’ e foi o estopim para a vinda de presos daquele complexo”, informa.

População cobra solução rápida para presídio

A população, prejudicada pela vinda dos quase 600 presos para Anápolis, já que parte do efetivo policial usado nas ruas passou a ser deslocado para o novo presídio, também deu sua opinião. É o caso do frentista, João Paulo Souza, de 24 anos:

“Nem a polícia está dando conta”, lamenta o frentista João Paulo, que teme pela segurança com transferência

“O presídio nem estava pronto. Ainda não dava para colocar preso lá. Aí, de uma hora para outra, eles resolveram, em uma rebelião que houve lá, mandar uns presos para cá. Nem o prefeito tinha aprovado isso e os presos chegaram aqui”. Para ele, deve haver um posicionamento dos agentes públicos para buscar uma solução concreta para o caso. Ele acredita que, pela vinda dos detentos, a população esteja em risco, “porque com o que anda acontecendo nas rebeliões, nem a polícia está dando conta”.

Agda Martins, de 58 anos, trabalha como diarista. Para ela, cada preso “é um ser humano”, mas “não pode passar a mão na cabeça”. Sobre a vinda dos detentos, ela está indignada. “Porque aqui já não cabe (mais presos)”, destaca. “Tem tanta coisa para fazer por aqueles que precisam e fazem por aqueles que querem viver no mundo do crime”, pontua.

 

 

Notícias Relacionadas