Gilmar Alves dos Santos “Querem resolver o problema de Goiânia, jogando para Anápolis”

Paulo Roberto Belém

Gilmar Alves dos Santos é advogado e está no terceiro mandato como presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal em Anápolis. Passado um ano do episódio da transferência de presos de Aparecida de Goiânia para o então presídio inacabado de Anápolis, agora, o Presídio Estadual de Anápolis foi inaugurado. Entretanto, os problemas em torno dele continuam. A discussão atual é sobre a sua ocupação. O Governo de Goiás quer trazer presos de outras cidades para a unidade. Já o Conselho, presidido por Gilmar, exige que a nova unidade seja abrigada somente por presos de Anápolis, por conta da superlotação da Cadeia Pública Municipal. Na entrevista, o presidente norteia como estão as providências para que o novo presídio de Anápolis acolha, de fato, somente os presos de Anápolis.

A Voz de Anápolis – O senhor, na condição de presidente do Conselho da Execução Penal em Anápolis, sente falta da presença de forças políticas para se unir contra a vinda de presos de outras cidades para o presídio?

Gilmar Alves dos Santos – Sim. Nós dependemos muito da política e dos políticos. Nesse sentido, estamos com pouco apoio. Primeiro por causa dessa lei que passou pela Assembleia, que regionaliza os presídios. Para se ter uma ideia, essa legislação, na nossa opinião, não deveria ter acontecido. Como que você tira um preso de perto da família? Um dos pilares da ressocialização é o convívio familiar. Têm pessoas aqui em Anápolis, ligadas aos reeducandos, que recebem salário mínimo, mas continuam sendo pais, irmãos, esposas, filhos e pelo fato da pessoa ter cometido crime, ele não deixou de ser parente. Se ela ganha um salário mínimo, como será esse deslocamento para Formosa, por exemplo, local para onde foram transferidos presos de Anápolis na última terça-feira (20)?

A Lei da Execução Penal já fala que o preso tem que ficar mais perto da sua família. Já o Código de Processo Penal diz que o preso tem que cumprir a pena no local do crime, ou seja, na comarca respectiva. Se o preso comete o crime em Anápolis e a família dele é daqui, ele tem que ficar aqui. Por outro lado, nós não discordamos da transferência de presos, em alguns casos. Se for um reeducando que traga problema para aquele determinado presídio, tudo bem. O Conselho apoia. Mas essa política que o estado quer adotar é genérica e isso não pode ser dessa forma.

AVA – Faltou um posicionamento político mais forte para que essa lei não fosse adiante?

GAS – Infelizmente essa lei foi aprovada por puro interesse do Estado. Quando é assim, passa facilmente na Assembleia. O governo, às vezes, consegue articular a aprovação de legislações do tipo sem que haja questionamentos. Digo, sem questionar a imprensa, os juízes, a Execução Penal, o Ministério Público da Execução Penal, o Conselho da Execução Penal, a comunidade, os próprios vereadores, a própria Prefeitura. Eles (do Estado) não querem nem saber. Prevaleceu o bem para Goiânia e região metropolitana, onde eles não estão conseguindo resolver o problema. Aí querem jogar o problema para Anápolis, para Formosa, enfim, para as outras cidades. Anápolis já tem o seu grande problema: a superlotação da Cadeia Pública municipal.

AVA – Há um posicionamento de entidades como a OAB – Anápolis de também estar nessa questão?

GAS – Nós estamos enviando todas as informações para a OAB, para o presidente da Comissão de Direitos Humanos, para que a instituição nos ajude nessa luta. Hoje (quarta-feira, 21) buscamos a Câmara de Vereadores, vamos buscar as entidades classistas. Só não sei dizer se a Câmara buscará o apoio da Prefeitura porque eu não sei como está esse relacionamento entre esses poderes. Vamos buscar a sociedade. Quem quiser nos ajudar nessa missão, estaremos prontos para receber o apoio.

AVA – Você recebeu o total apoio da Câmara dos Vereadores para tentar evitar a regionalização do presídio de Anápolis. Como é a relação do Conselho com o Executivo? Foi procurado para tratar dessa questão?

GAS – A Prefeitura nos procura muito pouco, infelizmente. Não sei se falamos a mesma língua. Não sei o que acontece. Mas a Prefeitura quase não nos procura. Nós não temos o mesmo relacionamento que temos com a Câmara dos Vereadores. A Câmara sempre nos chama, o Executivo, não.

AVA – Para o Conselho, qual é a saída ideal para a ocupação do presídio recém-inaugurado em Anápolis?

GAS – Se Anápolis tem um novo presídio, qual a justificativa de levar um número X de presos para Formosa? Se for meia dúzia, cinco, três, dois ou um, desde que deem problema para a cidade, justifica. Agora, levar genericamente “tantas” pessoas, não justifica. Pessoas não condenadas, não justifica. O novo presídio de Anápolis tem que ser para Anápolis.

AVA – O senhor acredita que a sociedade entende que a razão das reivindicações é pela Segurança Pública e cumprimento da lei ou existe um preconceito de que você está “defendendo bandido”?

GAS – Eu observo das duas maneiras. Têm pessoas que acham que o Conselho está defendo bandido e têm aquelas pessoas que acham que estamos defendendo a lei. Por outra via, têm aqueles que acreditam que estamos desempenhando papel de bom samaritano. O Conselho não leva em conta esses achismos. Ele faz o trabalho que lhe compete, voluntário. Se vier recompensa, virá de Deus. E tem um detalhe: o preso de hoje, pode ser o meu vizinho de amanhã. É o vizinho da população amanhã. Então, esse preso tem que ser ressocializado para tirar a doença que é o crime dele. A função da pena é a ressocialização.

AVA – A situação da Cadeia Pública de Anápolis melhorou de um ano para cá ou continua sendo uma bomba relógio, conforme o senhor mesmo já disse?

GAS – Continua sendo mais que uma bomba relógio. Antes era uma, agora são duas. Porque quando você tira presos daqui de forma indiscriminada, o restante dos reeducandos fica preocupado se serão os próximos e ficam naquela tensão: “será que eu vou também”. Então, quem é condenado quer fugir, não quer ficar lá e o risco é muito grande. Sem contar a quantidade mínima de agentes. Tiraram 65. De onde tem 800, tira-se 65, é a mesma coisa de tirar um copo de água de uma caixa de mil litros. Não tirou nada. Lá continua a mesma coisa. O estado tem que funcionar o presídio novo para os presos de lá, ou daqui, melhor dizendo. Tem que colocar os condenados daqui para a unidade nova e deixar os provisórios aqui. Essa é a lógica.

AVA – Vai fazer um ano, exatamente, do episódio que houve a transferência de presos de Aparecida de Goiânia para o então novo presídio inacabado de Anápolis. Ato feito da noite para o dia. Passado esse processo de vinda e devolução dos mais de 600 presos, o Conselho entende que todos os poderes de Anápolis foram pegos de surpresa, mesmo, com esse ato do governo?

GAS – O Conselho da Execução Penal e o Judiciário, eu tenho certeza. Agora eu não posso responder pelos outros, pela Prefeitura, por exemplo.

AVA- Por que você acha que o governador não veio a público se manifestar sobre essa transferência àquela época? É um assunto desgastante?

GAS – É um desgaste político. Automaticamente, quem fala muito é o coronel Edson. Só que, hoje, o coronel Edson fala um pouco diferente do governador. Ele fala que vai ser presídio regional. Já o governador veio aqui inaugurar o presídio e disse que iria transferir os presos de Anápolis, que a preferência é para Anápolis. Já o coronel Edson fala diferente. Os discursos são diferentes entre o diretor regional carcerário e o governador. Vamos ver agora qual vai ser o discurso do secretário de Segurança Pública, mas geralmente quem fala mais é o diretor carcerário, o coronel Edson.

AVA- Sobre a estrutura desse novo presídio você acredita que ele atende as necessidades, respeitando a sua capacidade? E um presídio seguro?

GAS – Ele é seguro para os presos que estão aqui na região do Recanto do Sol. Agora se falar que é uma unidade de segurança máxima como vem se falando, aí eles estão brincando com a gente. Não é. Não tem nada a ver com segurança máxima.

AVA- Se trouxer esses condenados que causam problemas, de outras regiões, por exemplo, já não teria efetividade?

GAS – Se um juiz pede para transferir um preso para um presídio de segurança máxima, o de Anápolis não seria o ideal. Porque não é um presídio de segurança máxima como aqueles federais, nos quais existem uma infraestrutura, um aparelhamento, uma construção realmente para esse fim. Esse daqui não. Esse daqui é para cumprir pena, simplesmente.

 AVA- Qual é a sua expectativa: esta nova mobilização com a Câmara pode dar certo?

GAS – A esperança é a última que morre. Não é fácil lutar contra o governo, principalmente com essa lei que regionalizou os presídios. Mas nós estamos indo atrás da parte política, que é a Câmara os Vereadores, estamos indo atrás das associações para defender Anápolis. Porque caso contrário… Para se ter ideia, quando a Prefeitura, o ex-prefeito Antônio Gomide, doou a área para a construção de um novo presídio, foi passado um projeto, eu até tenho aqui esse projeto, e tem a doação da Câmara dos Vereadores passando para o estado, para construir, isto está bem claro na redação, um presídio para Anápolis, para a Comarca de Anápolis, para os presos de Anápolis.

Daí, automaticamente, o estado vem e constrói um presídio com a verba federal, porque a parte do estado foi muito pouco, foi insignificante em relação à verba federal que veio. O estado vem e assume o presídio estadual? Por que Goiânia não se preocupou com Anápolis? Porque Aparecida, Rio Verde e outras cidades não se preocuparam com Anápolis? Anápolis também não se preocupou com elas, mas daí vai trazer os presos de outros lugares para cá? Eu acho isso uma grande injustiça, essa é uma luta de Anápolis de construir um presídio e nós estamos perdendo esse presídio.

AVA- A hora é agora então?

GAS – A hora é agora e tem que ser agora, urgentíssimo, antes de fazer a ocupação. Porque depois que ocupar eu, Gilmar, presidente do Conselho, a Dra. Lara da Execução Penal, a Câmara dos Vereadores e o próprio prefeito, vamos ter que travar uma guerra, novamente, muito grande. E nós vamos perder essa guerra se ocupar, você pode ter certeza que a “vaca irá para o brejo”.

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