Liberdade de Expressão e Publicidade Governamental

Por José Anselmo Curado Fleury

Em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, realizada no dia seguinte às eleições, o candidato recém eleito à presidência proferiu algumas declarações que foram alvo de repúdio por Associações de Jornalistas e organizações de Direitos Humanos. Na ocasião, afirmou Jair que “no que depender de mim, imprensa que se comportar de maneira indigna não terá recursos do governo federal”, afirmando logo após, sobre o jornal “Folha de São Paulo” que, “por si só, esse jornal de acabou”.

Jair não explicou o significado da expressão “comportar de maneira indigna”, o que levou a opinião pública e a classe jornalística a interpretar que qualquer tipo de crítica que seja feita ao seu futuro governo poderá ser alvo de retaliações através do corte de verbas publicitárias destinadas aos veículos de comunicação. Essa interpretação da sua fala ganhou ainda mais força pelos termos utilizados (“no que depender de mim”), o que demonstra que Jair pretende intervir pessoalmente no critério de seleção da publicidade federal.

A Publicidade é um dos princípios constitucionais da Administração Pública, sendo dever do governo divulgar seus atos e promover o acesso amplo à informação por parte da população. No Governo Federal, o órgão responsável pela comunicação é a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, a qual cabe promover a comunicação do Governo com a sociedade e coordenar a política de comunicação pública.

Para a divulgação das campanhas institucionais o Governo Federal pode se utilizar da chamada “compra de mídia”, que é definida no artigo 4° da Instrução Normativa n° 07 da SECOM como sendo a aquisição de espaço e/ou tempo publicitário em veículos de comunicação e divulgação, para a transmissão de mensagem a determinado público-alvo.

A compra de espaços e tempo publicitários em veículos de comunicação e divulgação, que deve obediência irrestrita ao princípio constitucional da impessoalidade, deve observar também os critérios técnicos definidos no artigo 8° da citada Instrução normativa, utilizando pesquisas e dados técnicos de mercado para identificar e selecionar a programação mais adequada, conforme as características de cada ação publicitária. O investimento em cada veículo deve observar a sua respectiva audiência, sendo embasado em dados técnicos do mercado, recomendando-se a valorização de veículos com circulação auditada por empresa reconhecida pelo mercado.

Retornando à declaração do candidato eleito, ao afirmar que, no que depender dele, veículos considerados indignos não teriam acesso à publicidade governamental, Jair está abandonando os critérios técnicos e mercadológicos adotados pela SECOM. Ao personalizar a escolha, em claro confronto com o princípio constitucional da impessoalidade e moralidade, Jair entra em contradição com seu próprio discurso, eis que afirmou que durante seu governo privilegiaria critérios técnicos em detrimento de influências políticas.

A Folha de São Paulo, fundada em 1921, é o jornal de maior circulação no país, com circulação auditada pelo IVC (Instituto Verificador de Comunicação) e com um corpo editorial e jornalístico que é referência em todo o país. Impedir o acesso deste jornal à publicidade governamental, por um mero capricho do ocupante da cadeira presidencial, representa um prejuízo imenso, não para a Folha, mas para a própria comunicação institucional do Governo Federal e, principalmente, para a liberdade de expressão, pressuposto básico de qualquer Democracia.

José Anselmo Curado Fleury é advogado e Professor universitário.

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