Mãe de Rayane Araújo, assassinada pelo ex-namorado, sobre Dia das Mulheres: “não tenho motivo de comemoração”

Hoje seria comemorado o Dia da Mulher na casa dos pais de Rayane Araújo Silva, assassinada por seu ex-namorado no dia 6 de abril de 2017. Há o que celebrar? A mãe, Maria da Conceição Araújo Silva, de 54 anos, já não vê sentido nas festas e eventos solenes, já que em praticamente todos Rayane marcava presença.

“Tudo que vou fazer está faltando ela. Ela incentivava, tudo ela estava na frente. Ia fazer um churrasco, ela estava à frente, era animada. Eu nunca vi a Rayane emburrada. Todas as fotos que eu tenho dela era sorrindo”, lembra, com os olhos cheios de lágrimas e a feição de tristeza.

“Está faltando ela”. Esta é a frase que Maria, mãe de Rayane, lança para o vazio, sabendo que a filha nunca mais estará na presença da família. É como se alguém tivesse “arrancado um pedaço”, conforme relata. Sobre o Dia da Mulher? “Eu não tenho motivo de comemoração”, responde.

Naquele 6 de abril, Maria da Conceição, que á época trabalhava em Goiânia, ficou sabendo da morte da filha quando voltou para Anápolis com um filho. Para preservá-la, familiares decidiram guardar a informação e apenas disseram a verdade quando a mãe já estava na cidade.

Mais cedo, pela manhã, ela já tinha visto a notícia da morte de Rayane e um grupo de notícias de Anápolis, mas não conseguiu reconhecer a filha na imagem e, por isso, jamais imaginou que poderia ser Rayane a vítima daquele assassinato, na rua Sócrates Diniz, no Centro.

Seu coração já previa o pior: “Minha filha está morta”. Esse pensamento permeou seu sentimento até que a verdade lhe foi dita. “Meu Deus, por que o senhor fez isso comigo? Por que o senhor permitiu que a minha joia fosse embora?”, questionou naquele momento.

Na memória, as lembranças daquela filha alegre que, ao chegar em casa, tarde da noite depois do trabalho, soltava a plenos pulmões: “Cheguei, família!”. “Ele (o assassino) parou com a vida dela, ele acabou com a minha vida e até hoje nada”, lamentou.

Como a filha tinha as marcas de seis tiros no rosto, Maria preferiu não ir ao velório. “Fiquei com a lembrança dela viva, ela sorrindo e sempre alegre. É essa imagem que eu tenho da minha filha hoje”. Maria da Conceição é mãe de uma filha e outros dois filhos. Na bagagem, carrega a história de quatro abortos espontâneos por questões de saúde e ainda perdeu uma filha de seis meses de idade.

Pai

Waldemar Alves da Silva tem 60 anos e já está aposentado. No coração, carrega ainda um misto de tristeza e raiva por ter perdido parte de sua alegria ao ver a filha morta. Naquele 6 de abril, não havia chão que pudesse sustentar o peso sobre suas costas. Assim como Maria, Valdemar sentiu que “arrancaram” sua filha.

Diferentemente da mãe, ele foi avisado por policiais sobre o homicídio na Sócrates Diniz. Sobre o assassino confesso, Daniel Hermes Pinto, o pai define: “Um cara que comia na minha mesa, junto com a minha família”. Apesar de um ou outro atrito que os dois tinham, Valdemar nunca imaginou que Daniel poderia cometer o crime que ceifaria a vida de sua filha.

Daniel se entregou à Polícia no dia 7 de abril de 2017, sexta-feira, um dia depois do crime. Valdemar e Daniel nunca mais se encontraram depois do ocorrido. “Nunca falei com ele”, afirmou o pai de Rayane. E em pleno Dia da Mulher, em que o pai talvez estaria preparando algo especial para as filhas e a esposa, o lamento: “Infelizmente, essa pessoa destruiu uma família e uma população”. E o sonho de Rayane, de se formar em Farmácia e continuar trabalhando na indústria farmacêutica, foi interrompido.

É possível destruir por completo a vida de uma família? É certo que não, mas é com esse sentimento que os pais de Rayane Araújo Silva, morta no dia 6 de abril de 2017, têm que conviver todos os dias. Seu relato, ainda sofrido, mostra que, minuto a minuto, eles pensam na filha morta.

Realidade

Em 2017, houve em Anápolis 165 homicídios. De acordo com dados do Grupo de Investigação de Homicídios, houve no ano passado três feminicídios, quando a relação entre o assassino e a vítima é um dos fatores que explicam o crime e quando existe um conflito nesse relacionamento.

No mês de julho, Valquíria Souza de Oliveira foi morta por seu companheiro. Em novembro, Letícia Helena Feitosa Anicésio foi assassinada por seu namorado e jogada em uma fossa. E no dia 9 de outubro Maira Gomes foi morta em um motel por seu companheiro, que se suicidou logo em seguida.

Em 2018, no dia 24 de janeiro, Laura Alves recebeu 32 disparos e a bebê Eloá, de oito dias de vida, foi alvejada com pelo menos 4 disparos de arma de fogo, em um caso que chocou a comunidade anapolina.

Delegacia

A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher – DEAM recebe diariamente diversos casos de mulheres agredidas ou ameaçadas, seja por companheiros, parentes ou conhecidos. Nem todos os casos chegam às vias de fato. Denunciar o agressor pode fazer toda a diferença.

A DEAM atende casos de violência doméstica, familiar e sexual. O vínculo familiar e amoroso entre agressor e vítima são características de agressões contra mulheres atendidas por esta delegacia. São realizados em média 160 atendimentos por mês.

“A violência em geral está aumentando. O grau de violência, de agressividade, de banalização da vida é no país todo. Logicamente, contra a mulher, no seio familiar é cada vez maior”, relata a delegada titulas da DEAM, Marisleide Santos. É certo que “a estatística não era real” quando as autoridades não tinham conhecimento dos fatos. Com o aumento das denúncias, os registros aumentaram.

De acordo com a delegada, a “especialização de matérias” e a grande quantidade de delegacias especializadas têm ajudado nas investigações. Par ela, um dos melhores caminhos para evitar o crime é a prevenção, que pode acabar com o “ciclo criminoso”.

“A prevenção dificulta ou às vezes corta essa progressão criminosa”, destaca. Conforme informou, existe uma progressão da violência: pequenas discussões levam a xingamentos, ameaças, lesões, agressões mais graves e, em situações extremas, ao feminicídio. Em 98% das mortes, houve agressões anteriores.

“Ocorreram vários outros fatos criminosos anteriores. Se eles tivessem sido informados, reprimidos, muito possivelmente teria prevenido uma morte no final”, evidenciou a delegada da DEAM, Marisleide Santos.

“Ninguém merece ser agredido, nem um homem, nem mulher”, menciona. Em algumas situações, quando a vítima não possui recursos financeiros, a pessoa agredida acaba aceitando a situação, “por não ter uma perspectiva de vida fora da pessoa (agressor)”. Quando existem filhos envolvidos, a situação é ainda pior.

A delegada Marisleide cita que “as nossas leis são muito brandas” e diminuem a efetividade da pena e ainda enfraquecem o processo criminal. Muitos agressores são colocados em liberdade já nas audiências de custódia.

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