Nosso trágico destino

Ao decidir não arredar o pé de sua presidência ilegítima, Temer conduz o país para o impasse político

Luiz Ruffato

 Poeta medíocre, político desimportante, o presidente não eleito, Michel Temer, vem demonstrando que, para além de tudo, não possui a mínima hombridade. Conspirou nos bastidores para derrubar a presidente Dilma Rousseff, e, ocupando o cargo de forma ilegítima, promove autoritariamente o rápido desmantelamento de um rol de direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo de várias décadas. Agora, flagrado em uma situação que se configura como crime de responsabilidade, prefere manter o país agônico que retirar-se de cena. Em tom de bravata, típico de mentalidades pequenas, desafia: “Não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem”.

A discussão sobre se houve ou não edição nas gravações feitas por Joesley Batista, do grupo JBS, é importante, mas secundária diante do simples fato de Michel Temer tê-lo recebido secretamente numa residência oficial, o Palácio do Jaburu, quando o empresário já era alvo de investigações da Polícia Federal. Em sua defesa, Temer alega “ingenuidade” – assim como o senador afastado Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, acusado de receber propina da JBS, que se diz vítima de “criminosa armação”. Como são ingênuos nossos políticos!

Há um provérbio que diz: “quem dorme com criança, acorda molhado”. O grupo JBS, que se fortaleceu e expandiu significativamente sob o governo Lula (2002-2010) –assim como a Odebrecht–, fez uma grande operação de compra de dólares na véspera da divulgação de detalhes da delação premiada de Joesley Batista – a moeda norte-americana teve alta de 8,16% em um único dia–, o que resultou em grandes lucros para a empresa. No mesmo dia, Joesley divulgava uma nota em que pedia desculpas ao povo brasileiro, na qual afirmava, cinicamente, “em outros países, fomos capazes de expandir nossos negócios sem transgredir valores éticos”. Embora tenha se desenvolvido com a camaradagem do BNDES, cerca de 80% das operações da empresa hoje realizam-se no exterior.

Enquanto isso, no Brasil real, a inflação baixa – 0,14% em abril, a menor taxa para o mês desde a implantação do Plano Real–, exprime em cifras o que vivenciamos na prática: a economia está paralisada. Como ninguém compra, não há variação de preços. Por outro lado, o desemprego alcançou 13,7% no primeiro trimestre do ano, atingindo um total de mais de 14 milhões de trabalhadores. Em três anos, o número de pessoas sem emprego mais que dobrou. Segundo estudo do Banco Mundial, até o final do ano a crise econômica empurrará entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de pessoas para a pobreza.

Ao decidir não arredar o pé da Presidência da República, lugar que ocupa de forma ilegítima, repito, Temer conduz o país para o impasse político. Com uma economia já alquebrada pela péssima administração de Dilma Rousseff, podemos entrar no terceiro ano consecutivo de crescimento negativo, o que redundará em uma tragédia sem precedentes, cujo desfecho não podemos prever. Temer força soluções dramáticas: um longo e exaustivo processo de impeachment, proposta já adotada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e alguns parlamentares da oposição, ou um processo no Supremo Tribunal Federal (STF), que também seria longo e exaustivo. Resta ainda o julgamento da ação de cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder político e econômico, que começa no dia 6 de junho. Em qualquer dessas circunstâncias, o país continuará a sangrar, por mais ou menos tempo.

A oposição, por seu turno, não consegue coordenar os protestos públicos, porque os movimentos sindicais encontram-se desmoralizados. Quem sai às ruas sob a bandeira da CUT, até ontem esteio do desonesto governo do PT, ou da Força Sindical, que tem seu principal líder, Paulinho da Força, envolvido em denúncias na Operação Lava Jato? O PT, ao instrumentalizar as organizações sociais, oferecendo cargos e sinecuras, esvaziou-os e desacreditou-os. Hoje, encontra-se órfã nossa indignação.

A enxurrada de denúncias de corrupção envolve todos os partidos, independentemente de sigla ou ideologia. No entanto, a toque de caixa, sem qualquer consulta à sociedade, deputados e senadores continuam a votar as reformas trabalhista e previdenciária. Afinal, em nome de quem legislam nossos congressistas? Em nome de quem tomam decisões que afetam nossas vidas? Não são lícitas as deliberações desses políticos, que claramente desonram, menosprezam e ofendem seus eleitores. Por isso, é urgente reivindicar eleições diretas já, único caminho possível para tentar salvar a nossa combalida democracia.

Luiz Ruffato é jornalista e escritor. Artigo publicado originalmente em El País

Notícias Relacionadas