O círculo vicioso do custeio de campanha

Nicolao Dino

O escuso custeio de campanhas eleitorais por poderosos grupos econômicos reafirma a ideia de que não se pode cogitar de reformas estruturais no país sem inserir nesse debate o tema da reforma política e eleitoral.

O aporte de recursos nas agremiações partidárias é necessário para seu funcionamento e para o cumprimento de suas finalidades, as quais devem estar ligadas ao cerne da democracia representativa.

Entretanto, a proliferação de campanhas eleitorais milionárias gera maior dependência de financiamentos, aumentando progressivamente os custos das eleições.

A doação empresarial desloca ainda o vértice da discussão política programática -objetivo maior das campanhas- do verdadeiro titular da soberania: o povo.

O problema reside nos laços de sujeição e de “compadrio” que não raro se estabelecem entre financiadores e financiados, formando uma simbiose cujos efeitos se espraiam e comprometem a higidez da gestão da coisa pública.

É nesse ambiente que a questão do financiamento político faz fronteira com o fenômeno da corrupção política. Corrupção não é “jabuticaba”, não é algo genuinamente brasileiro, e vem sendo apontada mundo afora como um dos fatores que mais contribuem para a deslegitimação das instituições democráticas.

Aí reside um paradoxo, pois a realização de direitos fundamentais num ambiente democrático somente se dá por meio da política. A satanização dos partidos não é, pois, o caminho a ser seguido.

As investigações recentes sobre casos de corrupção política desvelam um círculo vicioso no qual o poder econômico estabelece um pacto de sustentabilidade com determinadas forças políticas, num processo de retroalimentação vantajoso para as partes envolvidas.

Há, por outro lado, no contexto dos financiamentos de campanhas, a tentativa de ressignificação do fenômeno da corrupção e do caixa dois, tratando este último como algo secundário.

É preciso deixar claro que caixa dois de campanha é quase sempre irrigado por recursos igualmente não contabilizados na origem, o que implica, portanto, ocultação de receita, não identificação de sua fonte e, ainda, remessa clandestina de dinheiro para paraísos fiscais.

Para o beneficiário, a não contabilização do dinheiro “doado” significa subtrair das esferas de controle a possibilidade de aferir a regularidade e o montante de despesas nas eleições, escancarando as portas ao abuso de poder econômico.

Isso também impede o cidadão de identificar os interesses por trás de cada campanha, ante a falta de transparência. Ou seja, condutas nocivas à ordem jurídica e aos valores democráticos.

Todos esses elementos compuseram o enredo do processo recentemente julgado no TSE referente à eleição presidencial de 2014, com evidências concretas, robustas, da ocorrência de abuso de poder.

E embora o resultado do julgamento, por escassa maioria, tenha apontado noutra direção, nada poderá alterar a moral da história: nunca haverá efetivo desenvolvimento social e econômico em nosso país se as relações entre o público e o privado continuarem seguindo a regra do “pay to play”.

Cabe à sociedade, com os pés no presente e de olho no futuro, construir coletiva, política e juridicamente os caminhos para superar essa adversidade.

Nicolao Dino é subprocurador-geral da República e vice-procurador-geral eleitoral; artigo publicado na Folha de S. Paulo

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