O conservadorismo moral como reinvenção da marca MBL

Gabriel de Barcelos

O MBL (Movimento Brasil Livre), organização com membros investigados por diferentes crimes e financiado por partidos como o PMDB e grupos de interesse econômico dos EUA, surgiu inspirado nas formas de mobilização da juventude, como as vistas em 2013, especialmente na força das redes sociais. Isso pode ter acontecido na escolha de um nome parecido com MPL (Movimento Passe Livre). Algo semelhante foi feito com o nome de outro grupo, o “Vem pra rua”, que se valeu de uma conhecida palavra de ordem das manifestações de esquerda. Como afirma Pedro Ferreira, integrante do grupo Bonde do Rolê e um dos fundadores, do MBL: “Partimos da tese de que faltava estética e apelo para difundir na sociedade uma visão de mundo mais liberal. A esquerda contemporânea desenvolveu uma roupagem romantizada para seus ideais e, assim, formou uma militância consistente. Era preciso –com o perdão da ironia– revolucionar o liberalismo”.

Depois de obter sucesso nas ruas, ancorado na ampla divulgação do maior meio de comunicação brasileiro, a TV Globo, obtiveram a vitória no impeachment de Dilma. Tanto pela diminuição de seu poder de mobilização nas ruas após isso, como pela necessidade de preservar Michel Temer e outros aliados, resolveram voltar a focar a ação nas redes sociais. Desmoralizados após uma série de denúncias e criticados por seguidores pelo apoio a Temer, o MBL conseguiu uma sobrevida com a viralização de seus posts, com profissionais especializados na criação de “memes”. Junto a isso, o grupo investiu em ações isoladas nas ruas, de ataque à esquerda, com a função de criar performances para a câmera, para a divulgação posterior em vídeo.

Percebendo o fracasso da defesa das ideias neoliberais entre o povo brasileiro (eles não conseguiram convencer os trabalhadores que era bom perder direitos), partiram para um novo redirecionamento. Agindo de acordo com a lógica de mercado, fizeram algo próximo do que no marketing se chama “rebranding” (embora sem mudar a identidade visual, mas as estratégias de sua organização, a sua filosofia operacional). A aposta foi no velho conservadorismo brasileiro em relação aos costumes, à moral e à cultura, algo com muito mais chance de sucesso. Daí a tentativa de censurar escolas e exposição de arte, como velhos beatos com tochas na mão.

O imaginário recorrido atualmente pelo MBL é o das “guerras culturais” e da luta contra o “marxismo cultural”. A semente desta segunda ideia vem sendo plantada há muitos anos pela direita brasileira, tendo Olavo de Carvalho seu principal formulador. Segundo estas teorias, a esquerda teria colocado em segundo plano a tomada revolucionária do poder, para investir na destruição dos tradicionais valores ocidentais de família, religião, moral, cabendo aos homens e mulheres de bem defender e preservar estes pilares. O discurso em questão fala muito melhor aos corações brasileiros, relativamente progressistas em termos de direitos sociais, mas conservadores em questões comportamentais-culturais. Ou seja, caímos na armadilha do MBL, estamos agora jogando o jogo escolhido por eles, num terreno agora bem mais favorável, em sintonia com a subjetividade carola do Brasil, através de uma cortina de fumaça, criada para desviar o foco de Temer e grupos políticos próximos da organização.

O MBL vem se reinventando a todo o momento e resolveu apelar para táticas mais fáceis, falando mais às entranhas de seu público do que à racionalidade. Riscaram um fósforo e acenderam um pavio em sua cruzada moralista contra a arte, gerando um efeito manada. Se a marca MBL estava severamente comprometida, seus desvios estratégicos conseguiram manter a sua posição de grande influenciador no campo da direita.

Infelizmente, a esquerda brasileira perdeu a sua oportunidade histórica, quando abandonou um movimento de amplo apoio popular como as greves gerais e outras mobilizações contra a reforma de Temer. Estas lutas se comunicavam diretamente com os direitos da classe trabalhadora e foram negligenciadas pela maior parte das direções de movimentos nacionais, cegas para a importância da difusão e disputa de ideias e das consciências. Além disso, há uma defasagem muito grande da esquerda em compreender as dinâmicas contemporâneas e as suas ferramentas de comunicação, especialmente entre a juventude.

Não são poucas as referências comparativas entre a ação do MBL e a história de regimes nazi-fascistas. Contra a barbárie que se desenvolve e se avizinha em sua consolidação total, a única forma é o retorno ao foco na construção da resistência popular em defesa dos direitos e da explicitação dos interesses de classe envolvidos em grupos como o MBL. Novamente deixamos um vácuo para ser preenchido pelo fascismo. É preciso, portanto, agir logo, pensar para além da lógica eleitoral. Do contrário, nos restará no futuro olhar para o passado e pensar: por que não conseguimos impedir isso de acontecer?

Gabriel de Barcelos é jornalista e Doutor em Multimeios pela Unicamp. Artigo publicado originalmente em Le Monde Diplomatique

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