Obra da Nova Câmara Municipal se arrasta e espera “vontade política” para ser finalizada

Projeto começado em maio de 2014 teve início promissor, mas depois de vários reveses foi paralisado em 2016: agora, luta para ser finalizado; MP diz que obra está liberada para ser terminada

Paulo Roberto Belém (com Henrique Morgantini)

“Aqui tudo parece que é construção mas já é ruína”. A frase é do compositor baiano Caetano Veloso na canção “Fora de Ordem”. O verso mostra uma obra que, de tão abandonada e sem continuidade, torna-se uma ruína abandonada. Caetano Veloso não sabia em 1992 que em 2017, 25 anos depois, uma obra na cidade mais importante do Centro-Oeste, no aspecto logístico, iria ainda padecer dos problemas dos CIEPs, os centros escolares que ele se inspirou para escrever a canção à época. Mas o fato é que a cidade de Anápolis avança, mas a sede da Câmara Municipal, não.

O imenso trapézio cinza de concreto é um símbolo incômodo para os poderes Legislativo e Executivo de Anápolis: imbróglio que atravessa gestões em busca de solução

Lançada em maio de 2014 pelo prefeito João Gomes, a obra foi comemorada pelo então presidente da Câmara, Luiz Lacerda, hoje ainda vereador na cidade, e tantos outros agentes públicos. Os festejos foram generalizados e avançaram tanto quanto a obra o fez. Mas eis que a obra, erguida em um monumento de um trapézio cinza, parou.

As argumentações para a paralisação são diversas e, até hoje, não muito claros. Ou, ao menos, não conclusivos. A Voz de Anápolis foi até os principais envolvidos diretos ou indiretos a fim de esclarecer quais as motivações que paralisaram o projeto e, principalmente, saber o que falta para que ele seja concluído.

A Albenge, empresa goianiense vencedora da licitação e responsável pela obra até o momento de sua paralisação, evitou a explicação. Procurada pela reportagem, a empreiteira afirma vagamente que “deixou a obra depois que o contrato acabou”. Por meio de nota, a Albenge Engenharia afirma que o responsável por esclarecer acerca dos detalhes do contrato “está em viagem e que este retornaria somente na segunda-feira, 20”.

Através da consulta de arquivos de matérias já publicadas em diversos veículos de comunicação sobre as obras da Câmara Municipal é possível perceber que a principal alegação – a de que houve um erro no projeto – é rechaçado pela empresa. Em janeiro de 2017, os responsáveis pela empreiteira negam que tenha havido “erro na construção das vigas” e afirma, ainda, que elas seguem de acordo com o projeto estrutural. Ainda de acordo com os arquivos, a empresa afirmou que deixou a obra “depois que acabou o contrato com a Prefeitura”.

Felicidade

Presidente da Câmara à época em que as obras foram iniciadas, o atual vereador Luiz Lacerda (PT) disse o momento do lançamento da obra foi “enorme felicidade”. Lacerda justifica que a construção de um novo prédio para abrigar o legislativo anapolino era uma reivindicação antiga de diversos vereadores que passaram por legislaturas passadas. Mas não somente deles, como também da cidade.

“Se não terminarmos esta obra, aí sim, teremos um dinheiro jogado fora”, explica ex-presidente do Legislativo Luiz Lacerda, que acompanhou a fundação do projeto

Após o início da construção, Lacerda disse que acompanhou a obra praticamente todos os dias. “Era rotina eu conversar com os operários. O problema é que no meu mandato, a obra ficou praticamente na fundação, quando ainda não tinha essa proporção atual”, recorda. Sobre a especulação de possíveis erros na construção, o vereador afirmou que essa situação não existiu durante a sua gestão.

Aditivo

Lacerda atribui a paralisação da obra não por conta dos atuais indícios de erros, mas pela falta de entendimento entre a empreiteira e o Poder Executivo à época. “Me recordo que a empresa queria um aditivo, o ex-prefeito João Gomes não aceitou e aí começou esse imbróglio que acarretou na paralisação”, revela.

“Mas o grande problema é justamente porque a obra paralisou. Se  ela tivesse sido tocada e hoje estivesse em funcionamento, já servindo a comunidade, não teria essa discussão”, avalia Lacerda. O parlamentar tem expectativa pelo término da construção. “Temos que terminar. Se não terminar, aí sim, teremos dinheiro jogado fora”, finalizou.

“Obra parou porque a empresa queria um aditivo”, revela ex-presidente da Câmara

Ex-presidente da Câmara Municipal que comandou o trabalho do Legislativo anapolino nos anos de 2015 e 2016, o atual vereador Lisieux Borges (PT), garante que tinha presença assídua no processo de construção na época em que era presidente. Ele justifica a sua presença maciça no projeto, até por conta, segundo ele, de “ocorrerem alguns questionamentos da empreiteira”.

O então presidente Lisieux Borges dá a sua versão sobre a paralisação e garante: “administrei a situação”

Segundo Borges, esses questionamentos correspondiam a pequenos problemas pontuais que eram remediados, mas que, a partir de um momento, as críticas começaram a ser frequentes, o que o fez tomar uma decisão. “Coloquei todas as partes em contato. Organizei uma reunião onde estava o ex-prefeito, o ex-secretário de Obras, os arquitetos, os responsáveis pela empreiteira e eu. Nessa reunião, quem fez o cálculo estrutural assumiu alguns erros e solicitou correção, principalmente relacionados a distorções nas planilhas de gastos. Diante isto, a empreiteira (a Albenge) pediu um aditivo, naquele momento o ex-prefeito não achou conveniente e a obra foi paralisada”, detalhou Lisieux Borges, excluindo a ideia, portanto, de que a obra tenha sido paralisada por erros estruturais.

Borges, que também é engenheiro civil, inclusive, rebate as críticas de que teria de fiscalizar a obra por conta da sua formação profissional dizendo que nunca teve essa responsabilidade. “A obra tinha vários responsáveis técnicos. O meu trabalho não era técnico. Meu trabalho foi o de estar cobrando celeridade na obra, administrando a situação, no entanto que promovi essa reunião que acabou culminando na paralisação da obra, de fato”, explicou.

Para atual presidente da Câmara o problema é um só: falta de dinheiro

O atual presidente da Câmara, Amilton Filho (SD), reconhece que a retomada das obras é a grande reivindicação da população feita aos poderes Executivo e Legislativo. “Isso é necessário para o fortalecimento do Legislativo, da transparência”, disse, citando a atual estrutura usada para realizar as sessões e o trabalho administrativo da Casa. Para ele, as condições atuais são “totalmente precárias”. “Nosso plenário não cabe mais que 20 pessoas”, lamenta.

Para Amilton, o problema atual da obra é claro: falta de dinheiro. Ele diz isso recordando do montante que até o mês de dezembro estava depositado em conta e que serviria para retomar a obra. “Eram recursos suficientes para retomar a obra, amanhã, se possível. O ex-prefeito João Gomes utilizou essa verba da Câmara para outra finalidade”, destaca Amilton. Segundo as contas de Amilton Filho, o fundo para o término da obra tinha R$ 4,5 milhões. A conta, de fato existiu, mas não se tratava de uma verba carimbada, ou seja, de finalidade exclusiva para aquele objetivo.

A reserva financeira mencionada pelo vereador era mantida através de um depósito mensal da Prefeitura para formatar um fundo. O dinheiro teria sido usado à época, no fim do ano, para o pagamento de salários ser servidores e de fornecedores da gestão municipal. Ainda assim, para Amilton, houve uma violação do combinado. “Foi uma quebra de compromisso com a Câmara Municipal”, avalia.

Poupança

O presidente disse que esse montante contribuiria para o término da obra, inclusive com a reparação dos erros estruturais que a acompanha. Como esses recursos não existem mais, Amilton confirma a poupança que tem sido feita entre o Executivo e o Legislativo desde janeiro quando acordaram, à época, poupar R$ 75 mil cada para destinar à retomada da obra. “Temos depositado mais de R$ 1 milhão em oito meses e serão usados quando for feita a nova licitação para terminar a obra”, esclareceu.

O atual presidente Amilton Filho: obra deverá ser retomada entre o fim de 2017 e início de 2018

Ainda assim, Amilton Filho reconhece ser improvável que a obra seja concluída em sua gestão à frente do Legislativo. “Acho difícil entregar esta obra ainda no meu biênio de comando, mas tenho convicção de sua retomada entre o final de 2017 e início de 2018, priorizando a parte dos gabinetes que é uma parte que está bem adiantada”, arrematou.

CREA está avaliando responsabilidades, mas afirma que “a obra tem solução”

Gestor do Departamento Técnico do Crea-GO, o engenheiro civil Edvaldo Maia afirmou que o órgão esteve presente na obra antes mesmo de toda a repercussão causada pela sua paralisação, em janeiro de 2017, quando à época foram verificadas pela equipe de inspetores técnicos, possíveis irregularidades. “Os inspetores detectaram condições que, no mínimo, deveriam ser investigadas o porquê te terem sido realizadas daquela maneira”, disse Maia, se referindo aos possíveis erros de execução da obra, a exemplo da distância entre o teto e o pavimento de um dos espaços da construção.

Estrutura da Câmara Municipal encontra-se paralisada: no aguardo de novos investimentos da gestão

Mediante essas informações, o gestor confirmou que o Crea instaurou processo administrativo para apurar de quem é a responsabilidade dessas possíveis irregularidades. “Pode ser um erro de projeto, ou seja, quem fez o projeto de arquitetura, pode ter colocado uma altura insuficiente para quem desenvolveu a estrutura. Outra possibilidade: pode ser erro de quem desenvolveu a estrutura, quando na hora de se dimensionar os pilares ter colocado altura inferior do que estava projetado da arquitetura da obra. Por fim, pode ser um erro de execução, no caso de no projeto constar as dimensões corretas e na hora de se executar, tenha sido desrespeitadas as diretrizes do documento”, explicou.

Erros

A investigação, que de acordo com o gestor, foi proposta pelo Ministério Público, ainda está em trâmite e deve ser finalizada até o fim dos trabalhos do Crea em 2017, complementou Maia. Entretanto, ele adiantou que independentemente de quem seja o erro, presume-se uma responsabilidade de todos os envolvidos. “Os erros são visíveis para qualquer profissional, seja de quem estava projetando ou de quem o estava executando”, citou.

Ao final, perguntado se tais irregularidades têm solução, o gestor assegura que sim, mas que o problema é o custo destas novas adequações. “Com essa informação, o que pode ser estudado, quando houver a intenção de se retomar a obra, são soluções alternativas mais baratas para não onerar muito o valor final da obra”, concluiu.

Ministério Público libera obra para conclusão: investigação só serve para identificar possíveis erros e responsáveis

A reportagem entrou em contato com a 11ª Promotoria de Justiça de Anápolis, responsável pela análise da paralisação do projeto. O promotor Arthur José Matias confirmou que o Ministério Público abriu Inquérito Civil Público para apurar os eventuais erros de projeto de execução, bem como para avaliar os prejuízos ao erário municipal causados pela construção da futura sede da Câmara Municipal de Anápolis.

O promotor Arthur Matias explica que procedimento irá identificar erros do passado: medidas do MP em nada impedem retomada e conclusão de obra

“O procedimento aguarda a conclusão de perícia por parte dos técnicos do Ministério Público que servirá para identificar os erros nos projetos e de execução dos projetos; as pessoas responsáveis por tais equívocos e o prejuízo eventualmente apurado”, disse o promotor em nota.

Liberada

Questionado se de alguma forma, estas providências fazem com que a obra não seja retomada, o promotor disse que a perícia servirá somente para a instrução do inquérito civil público em trâmite, que subsidiará eventual propositura de ação civil pública pelo Ministério Público. “As medidas tomadas pelo Ministério Público em nada impedem a retomada e a conclusão das obras, que, em verdade, devem ser, exclusivamente, impulsionadas pelo Presidente da Câmara Municipal e pelo Poder Executivo”, arrematou.

Em oito meses, tudo o que a Prefeitura fez foi uma “vistoria técnica” na obra

 Efetivamente, a única providência do Executivo relacionada à situação da obra paralisada da Câmara Municipal de Anápolis se deu no fim de janeiro, quando da repercussão nacional que teve o caso. Essa providência resumiu-se em uma vistoria realizada por Roberto Naves com a sua recém-empossada equipe de secretários. À época, o prefeito disse que realizaria auditoria dos pagamentos realizados à construtora e que ao mesmo tempo, uma equipe de engenheiros iria elaborar um novo projeto, avaliando o que poderia ser aproveitado da estrutura atual, para, posteriormente, ser designada uma nova licitação.

Visita do prefeito Roberto Naves e do presidente da Câmara, Amilton Filho, à obra, em janeiro: obra está liberada para continuar

Na oportunidade, ele pediu um prazo de quatro meses para estas providências, mas que, enquanto isso, a Prefeitura e a Câmara poupariam os valores mencionados e confirmados pelo presidente da Câmara, Amilton Filho, nesta reportagem. Passados quase sete meses completos dessa vistoria, tais providências sugeridas por Naves não avançaram e a obra continua paralisada.

Cronologia do Projeto

Fevereiro de 2009 – Início da intenção pela construção da nova Câmara Municipal (reunião entre a mesa diretora do Legislativo e o prefeito Antônio Gomide Executivo)

 Abril de 2012 – Elaboração e apresentação do projeto

 Fevereiro de 2013 – Ratificação do convênio

 Maio de 2014 – Início da obra lançada por João Gomes (foto)

 

Junho de 2016 – Paralisação da obra

2017 – obra está liberada pelo Ministério Público para conclusão

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