Por decreto, prefeito aumenta TSU em mais de 150%

Secretário municipal de Fazenda defende decisão política do prefeito Roberto Naves em aplicar o que a lei permite; Taxa foi criada em 2004 pelo ex-prefeito Pedro Sahium e, desde 2009, não recebia aumento ou revisão: população demonstra revolta e OAB estuda questionar na Justiça

Henrique Morgantini e Paulo Roberto Belém

No linguajar popular, algo feito “por decreto” é um autoritarismo. A outra versão é a demonstração de resistência: “não faço isto nem por decreto”. Os anapolinos neste ano tem, portanto, um decreto no caminho. Não no sentido figurado, mas literal.

Por Decreto, prefeito Roberto Naves mudou cálculo e, de um ano para outro, valores mais que dobraram

Isto porque foi através do Decreto 41.032 de 22 de fevereiro de 2017 que o prefeito Roberto Naves (PTB) determinou “regulamentar a cobrança do IPTU/ITU e da TSU para o exercício de 2017”. A TSU é um valor cobrado anexo ao IPTU e que visa contribuir no pagamento da limpeza urbana em toda a cidade.

Em tradução direta, a “regulamentação da cobrança” significa uma coisa só: aumento da taxa. E não foi pouco. Em um levantamento realizado por A Voz de Anápolis, as variações giram e torno de 85%, mas há casos exorbitantes. É a situação do Residencial Itatiaia. Lá, os moradores tiveram um reajuste de 155%, saíram de um pagamento R$ 42,84 para R$ 109,03.

Para se ter uma ideia da mudança no orçamento dos moradores de Anápolis, entre os anos de 2015 e 2016, a variação da Taxa de Serviços Urbanos foi – em média de 9,4%. No levantamento da Voz de Anápolis em 15 regiões de Anápolis, o mínimo registro foi de 82,85%, no bairro Filostro Machado, e a máxima no Itatiaia.

Decisão

Foi através da Lei Complementar 095/2004, assinada pelo ex-prefeito Pedro Sahium, que foi criada a Taxa de Serviços Urbanos. No texto da lei é facultado ao prefeito reajustar ou não – ficando sob o domínio de sua decisão política. Há ainda outra brecha no documento que permite que a TSU seja revista, alterada em seus valores, por meio de decreto, ou seja, sem a consulta da Câmara Municipal.

Foi com base neste princípio de arbitrariedade que Anápolis recebeu este aumento superior a 150% no comparativo de 2016 para 2017. A decisão política do gabinete municipal em promover este aumento teve origem nos técnicos do departamento de arrecadação da prefeitura. Roberto Naves optou por abraçar o projeto de reajuste dos tecnocratas da gestão municipal. Os mesmos que orientaram o prefeito a realizar outra mexida polêmica entre os servidores municipais: a retirada das gratificações, também feito por outro decreto.

A base legal ao qual os técnicos da Fazenda municipal se debruçaram para promover o aumento está na Lei Tributária de 2006. A lei, entretanto, não obriga o gestor a promover aumentos, mas faculta a ele a decisão de promover alterações e majorar os valores e rever as fórmulas para se chegar ao valor da contribuição.

Explicação

O secretário municipal da Fazenda, Geraldo Lino, explica, no rigor da lei, de que deve haver o rateio entre os imóveis o pagamento de dois serviços: a coleta e tratamento do lixo de toda a cidade. “O Código Tributário do Município determina que o valor gasto com estes dois serviços no ano anterior seja rateado com todos os contribuintes no ano seguinte. Só estamos aplicando o que está na lei”, explicou. Lino afirma que o dinheiro será usado, ainda, para saldar uma dívida do ano anterior, com a empresa responsável pela coleta de lixo no município.

Lino afirma que este rateio observa duas informações. Em regiões em que o serviço de coleta é diário, o contribuinte paga R$ 2,04 por metro quadrado da área construída de seu imóvel. Já nas regiões em que o serviço é realizado três vezes por semana, o valor por metro quadrado é de R$ 1,66. “Esses dois valores não são constantes e foram equacionados considerando o montante final dos R$ 29 milhões”, explicou. Questionado o porquê do valor tão alto considerando que em 2016 não teve reajuste dessa ordem, o secretário limitou-se a dizer que não tinha informação de quanto custou o serviço em 2015.

Amargo

Quando se fala em aumento, não há quem fique contente. E, mesmo ciente do impacto político à imagem da gestão que a decisão possa gerar, o técnico defende que os remédios são, em geral, amargos. Geraldo Lino disse que a Prefeitura, ao decidir reajustar a TSU dessa forma, não avaliou o impacto negativo da medida na população. Para ele, a administração tem que ter responsabilidade com a cidade.

“Quando verificamos que a legislação especifica a maneira e fazer o cálculo dessa forma, percebemos essa necessidade”, afirmou Lino, complementando que toda a arrecadação com a TSU é repassada exclusivamente para a empresa prestadora do serviço.

Contradição

Lino também explicou que houve um critério social na determinação dos valores: regiões mais valorizadas teriam um reajuste mais acentuados que as demais. A própria explanação sobre a quantidade de vezes em que a limpeza acontece leva a crer neste parâmetro de cálculo.

No entanto, a região do Jundiaí – um dos setores mais valorizados e com maior atuação do sistema de limpeza, o reajuste foi de 85%, caso da região determinada como “Jundiaí 1”. No Anápolis City, ficou em 88,6%. Já no bairro JK/Nova Capital, o índice majorado foi de 92,7%, mas em setores como a Vila Fabril e a Vila São Jorge, os percentuais são praticamente os mesmos: 88,63% e 89%, respectivamente. Para se ter uma ideia, o Residencial das Flores, cuja varrição e coleta de lixo acontecem em frequência muito menos que no Anápolis City e Jundiaí, registrou aumento de 88,63%.

 

 

Indignação e revolta são as palavras de ordem dos anapolinos

Entre os milhares anapolinos que ficaram revoltados com o reajuste, está o pastor Weder Barbosa. Além dos impostos da sua residência, ele também realiza o pagamento dos impostos da igreja em que é administrador. Em ambas, ele discrimina que o aumento foi exorbitante. “Só na minha casa foi de 89%. De R$ 149 para R$ 282. E aqui na igreja pulou de R$ 3.216 para R$ 5.953. Um absurdo”, definiu o pastor.

Pastor Weder Barbosa questiona explicação, “não vi melhoria no serviço que justifique tamanho aumento” e anuncia: vai parcelar dívida

Ele discorda que a prestação do serviço corresponda ao valor de R$ 29 milhões defendido pelo secretário. “Não percebi nenhuma melhoria de 2015 para 2016 em relação à prestação de serviço que justifique esse aumento. Estou indignado”, resumiu

Perguntado se o aumento vai influenciar na maneira em que ele quita os impostos, ele já está seguro. “Antes pagava à vista. Agora vou ter que parcelar em quantas vezes puder”, lamentou. A reportagem também teve acesso a outras variações na cidade considerando os valores de 2016 e de 2017. Num determinado imóvel do bairro Jundiaí, a TSU pulou de R$ 321 para R$ 595 (85%). No Itamaraty, a TSU de uma residência subiu de R$ 168 para R$ 317 (90%). Já numa moradia do Filostro, a taxa aumentou de R$ 153 para R$ 280 (83%). Em outros pontos da cidade, houve variações muito além dos 100%.

Líder do prefeito defende o aumento; para Gomide, burocratas estão decidindo pelo prefeito

Quem também avaliou o impacto da medida foi o vereador líder do prefeito na Câmara, Jakson Charles. Após uma reunião da base aliada com Roberto Naves na última quarta-feira, 29, ele disse à imprensa que a cobrança está correta, classificando que o que houve foi uma distorção. “Em 2016, os gastos foram excessivos, em 2015, nem tanto”, avaliou

Jakson Charles justifica aumento com mudança no serviço: É muito difícil compreender tudo aquilo que acresce e tudo aquilo que, às vezes, diminui”

Jakson Charles defende a elevação da cobrança e assegura que em 2016 houve uma ampliação dos serviços que justificaria o aumento. “É muito difícil compreender tudo aquilo que acresce e tudo aquilo que, às vezes, diminui”, opina. Para Charles, o que deve ser feito para reavaliar a questão é uma alteração no Código Tributário. “Está defasado”, arrematou o pessebista dizendo que, para este ano, terá que ser desta forma.

Questionamentos

Para o vereador Antônio Gomide, o aumento é um absurdo em vários sentidos. Segundo ele, além da elevação dos valores comprometendo o orçamento das famílias, há ainda a forma como foi feito: por decreto. “Poderia ter sido feito com o debate pela Câmara ou por Decreto. O prefeito optou pela segunda forma. E só foi feito desta maneira porque a lei complementar que regula a TSU assim permite. No entanto, deveria haver um debate com a Câmara Municipal, onde acontece a argumentação dos anseios da população”, critica.

Gomide alerta para repasse de conta à população: cálculo para dois serviços não podem servir para cobrir dívida de 20 outros que a empresa faz

Gomide, que foi prefeito de Anápolis, destaca que nos últimos oito anos, o aumento entre a TSU e o IPTU sempre foi sob a mesma base de cálculo: a inflação. Portanto, ambos aumentavam à mesma proporção. “O prefeito entrou falando que não aumentaria o IPTU e agora vem esta desproporcionalidade na Taxa do Lixo. Nós achamos que é um equívoco a influência destes burocratas instalados na prefeitura, afinal, elege-se um prefeito para um burocrata mandar nas principais decisões que afetam a população”, alerta.

Outro ponto levantado pelo vereador petista é quanto à explicação da Prefeitura de que o aumento seria para cobrir o pagamento de dívidas anteriores. Segundo Geraldo Lino, o montante seria de R$ 29 milhões.

“A memória de cálculo não pode ser feita com referência numa dívida. Até porque a dívida tem origem em diversos serviços prestados pela empresa. A coleta de lixo e a varrição são apenas dois deles, há ainda jardinagem, manutenção de viveiros, poda de árvore, entre outros. Então por que a população pagaria pelo conjunto de serviços através de uma taxa foi feita para pagar somente dois deles?”, questiona Antônio Gomide.

 

Secretário defende que população pague à vista: “nada é melhor que um desconto”

Sobre a Taxa de Serviços Urbanos, o secretário assegura que nenhum centavo da arrecadação é utilizado para outra finalidade se não para pagar o serviço de coleta e tratamento do lixo do ano passado. Lino recomenda que a população faz o esforço para pagar à vista seus tributos. “Como agente financeiro, a melhor recomendação é quitar à vista. Nenhuma operação financeira é mais sugestiva que o desconto”, orientou.

O secretário de Fazenda Geraldo Lino defende decisão técnica que encontrou base na lei para promover aumento: pagar dívidas

De acordo com levantamentos, o secretário espera arrecadar com o IPTU/ITU R$ 99 milhões. Inicialmente, em abril, com os pagamentos à vista, a expectativa é de arrecadar cerca de R$ 59 milhões. Já nos meses que acompanharem os parcelamentos, devem vir os outros R$ 30 milhões. Lino destacou as áreas prioritárias para a aplicação dos recursos.

Consequências

Para Lino, quem não conseguir pagar seu compromisso com a prefeitura, pode sofrer as consequências da lei. Nas palavras do Secretário Municipal de Fazenda, Geraldo Lino, “vou cobrar, protestar e pôr na dívida ativa”.

Segundo ele, se for perguntado ao prefeito sobre a realização de um Refis – plano de recuperação de dívidas para quem deixou compromissos para trás, ele irá se manifestar contrário. “Não acho justo com quem paga em dia e porque desestabiliza seu fluxo de caixa”, explicou.

 

OAB estuda pedir a suspensão da cobrança até que haja uma revisão

A polêmica do aumento da Taxa de Serviços Urbanos (TSU) chegou também à Ordem dos Advogados do Brasil – subseção Anápolis. A OAB deverá pedir a suspensão da cobrança da TSU de 2017 com base no relatório da Comissão de Direito Tributário. O rascunho do documento, assinado pelo advogado Breno Massa, aponta diversos equívocos quanto ao cálculo para obter o aumento como também questiona a cobrança da chamada “taxa de expediente”.

O questionamento da entidade é quanto o que diz a Lei Complementar 136/2006, do Código Tributário e de Rendas do Município de Anápolis – CTRMA, e sua atualização de 2014 que trata da planta genérica de valores do terreno e da construção para o cálculo do IPTU/ITU.

O documento da Ordem ainda evoca o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à “inconstitucionalidade” da cobrança de Taxas de Expediente de boletos e carnês emitidos pela administração pública.

A OAB, inicialmente, pretende tentar reverter o quadro através de um diálogo extrajudicial com a Prefeitura. Em não havendo solução, a orientação da entidade será de protocolizar uma ação com pedido de liminar determinando o “imediato cancelamento do lançamento da TSU – Taxa de Serviços Urbanos, para o exercício de 2017, a todos os contribuintes” até que seja refeito o cálculo da taxa. O outro pedido da OAB será no sentido de promover o cancelamento “do lançamento da Taxa de Expediente”

 

 

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