Sistema Judiciário e Anápolis viram reféns de Governo após a transferência de presos: clima segue tenso na unidade

Há diversos relatos de um cenário de constante tensão por conta da forma com os presos estão vivendo – diferente da unidade de Aparecida, por segurança, em Anápolis eles estão confinados nas celas, que estão superlotadas: Justiça determinou desocupação

 Paulo Roberto Belém

Uma das grandes demandas de Anápolis e que reuniu a atuação de políticos, instituições e segmento organizados da sociedade foi a construção de um presídio que pudesse desafogar a cadeia pública da cidade que há muito foi improvisada como presídio, mesmo nas piores condições.

Em reportagem recente, inclusive, a situação carcerária de Anápolis foi considerada gravíssima, tendo chegado ao limite, considerando a crise instalada em alguns complexos prisionais espalhados pelo Brasil em janeiro.

Um mês depois à divulgação desta reportagem específica, uma triste novidade. Da noite para o dia, o presídio de Anápolis que sequer foi inaugurado, ficou superlotado de presidiários. Estima-se que aproximadamente 600 deles (números de instituições oficiais divergem entre si). Mas um detalhe chamou a atenção e provocou uma verdadeira revolta na comunidade anapolina: aqueles que superlotaram o local na manhã daquela sexta-feira, 24, não eram os presos de Anápolis, mas sim, detentos perigosos vindos do Complexo Prisional Odenir Guimarães, em Aparecida.

 Transferência

No Presídio Odenir Guimarães presos ficam fora das celas e, por isto, há uma demanda por retorno: segundo OAB, nada está sendo feito na unidade

O ato ocorreu após princípio de rebelião na Penitenciária Odenir Guimarães em Aparecida de Goiânia que resultou, inclusive, em cinco mortes. Este montante de presidiários das alas atingidas da POG foi transferido no último dia 23, quinta-feira, para o presídio de Anápolis em construção às margens da BR-414 sentido Corumbá de Goiás.

O que era boato, começou a se confirmar quando dezenas de ônibus e um aparato de homens da segurança pública começaram a chegar à cidade. No amanhecer daquela sexta-feira, 24, a situação estava instaurada com a notícia de que 280 presos povoavam o novo presídio de Anápolis.

Presos transferidos na calada da noite depredaram a unidade que sequer foi inaugurada na cidade: imagem mostra resultado dos dias de tensão

Não passou muito tempo para que ainda naquela manhã, a população fosse novamente surpreendida. Não eram 280, mas quase 600 o número de presos que ecoavam uma nova trilha sonora na região: ao invés de sons da natureza de um lugar ermo, gritos incomodantes e reclamações constantes. A principal delas, era a falta de comida, água, e a vontade, dos próprios presos, de voltar para os seus locais de origem, conforme foi relatado na entrevista especial da página 5. A partir daí, uma grande preocupação se instalou naquela que era a sexta-feira que aparentemente seria tranquila por ser véspera do feriadão de carnaval.

Tensão

Da noite para o dia o número de presos desta Comarca passou de 730 para 1.288”

Enquanto todos se justificavam e a alta cúpula da segurança pública se comprometia em aumentar o efetivo policial para resguardar a segurança dos anapolinos, sob um clima de tensão, uma nova surpresa: a juíza das Execuções Penais de Anápolis, Lara Gonzaga de Siqueira, determinou prazo de 15 dias para o retorno dos presos.

Siqueira acatou requisição do Ministério Público que alertava sobre a irregularidade da transferência realizada dos detentos para a Comarca de Anápolis sem a devida comunicação e autorização judicial o que caracterizava, também, desvio de função. Esta requisição foi assinada pelo promotor de Justiça em auxílio, Lucas César Ferreira, em conjunto com outros promotores da cidade.

Decisão


Em quatro páginas, a juíza fez referência ao descumprimento do artigo 185 da Lei de Execução Penal que trata sobre o excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, sem normas legais ou regulamentares. A magistrada discorreu, ainda, ser a corregedora dos presídios de Anápolis, inclusive, daquele que sequer havia sido inaugurado.

Ela ainda detalhou, na decisão, itens que travavam a inauguração do local, embaraços administrativos e o prejuízo aos condenados da comarca de Anápolis. “Da noite para o dia o número de presos desta Comarca passou de 730 para 1.288”, arrematou a juíza na sentença.

Citando que a situação colocava em risco a população Anapolina, gerando pavor, temor e que a transferência descumpriu alguns requisitos legais, a exemplo da concordância do Judiciário, a juíza determinou o retorno dos detentos para a penitenciária de origem em 15 dias a partir do último dia 24 de fevereiro. O prazo encerra, de fato, no próximo sábado, 11 de março. A decisão saiu como um alívio para aquela conturbada sexta-feira de carnaval

Justiça classifica medida como “atropelo às regras legais”

Depois que mais de 580 presos foram realocados para o presídio de Anápolis após um tiroteio que deixou 5 mortos e 35 feridos em Aparecida de Goiânia, a juíza Lara Gonzaga de Siqueira determinou, a pedido do Ministério Público de Goiás (MP-GO), que os presos transferidos para a cadeia de Anápolis devem retornar para a Penitenciária Odenir Guimarães (POG) em Aparecida de Goiânia. Conforme a decisão, o prazo para que a determinação seja cumprida é de 15 dias.

A penitenciária em Anápolis não foi inaugurada por falta de licença ambiental, móveis e agentes prisionais. O documento cita ainda que a transferência “atropela as regras legais” e coloca em risco a segurança de Anápolis, já que houve aumento da população carcerária em 76%. Além disso, a nova cadeia (que nem foi inaugurada) tem capacidade para 300 presos e já estava superlotada com 558 presos.

A promotora Adriana Marques informou que, ao saber da transferência, o MP-GO entrou com pedido para que os detentos retornassem à POG. Segundo ela, a realocação dos presos não poderia ter sido feita. “Fomos surpreendidos por uma invasão ilegal e irregular da unidade prisional de Anápolis”, afirmou a promotora Adriana Thiago, acrescentando que a medida atropela as regras legais, a jurisdição específica e coloca em grave risco a segurança do sistema prisional de Anápolis.

Retorno

“Essa é uma decisão exclusiva do judiciário, da execução penal. Não pode ser do executivo, essa medida. O MP, tomando ciência disso, já providenciou requerimento tanto para que a superintendência de administração penitenciária, considerando a urgência, no prazo máximo improrrogável de 15 dias, recambie todos esses detentos para a comarca de origem”, disse.

A Superintendência Executiva de Administração Penitenciária (SEAP) da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) informou por meio de nota que a transferência é de caráter provisório.

Agentes

Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Agentes Prisionais: Complexo Prisional é uma bomba relógio há 10 anos

O presidente da Associação dos Agentes Prisionais, Jorimar Bastos, comentou que a falta de servidores e a superlotação dos presídios dificulta o trabalho dos agentes ao precisar conter os presos. Segundo ele, 12 agentes atuavam no momento da confusão de quinta-feira, em Aparecida de Goiânia, que resultou em 5 mortos e dezenas de feridos.

“O Complexo é uma bomba relógio há 10 anos. A população cresce 7% ao ano, então em 10 anos ela cresceu 70% e não foi criada uma vaga, não foi contratado nenhum efetivo a mais para controlar isso”, encerrou.

 

Direitos Humanos da OAB – Anápolis acredita que prazo não será cumprido

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Anápolis, Régis Menezes: “estão tapando buracos no Odenir Guimarães”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Anápolis, o advogado Régis Davidson Menezes, não acredita que os detentos serão devolvidos neste primeiro prazo determinado pela Justiça. Ele e uma comissão composta pelo presidente da Câmara, Amilton Filho, e as vereadoras Elliner Rosa e Geli Sanches realizaram uma vistoria na Penitenciária Odenir Guimarães a fim de verificar, segundo ele, as providências que estavam sendo tomadas para a reforma. “Dificilmente vão ter condições de retornar os detentos em 15 dias”, afirmou Menezes, complementando que a vistoria foi acompanhada pelo diretor daquela unidade prisional, Alex Galdioli.

O advogado disse que verificou que somente foram tapados os buracos separavam uma ala de outra de forma precária, justamente para evitar que os presos que permaneceram na unidade ficassem transitando. “Instalações hidráulicas, elétricas e telhado continuam comprometidas”, assegurou. Considerando essa preocupação, essa mesma comissão esteve nesta sexta-feira, 3, no novo presídio de Anápolis para verificar se o prédio comportaria a permanência dos detentos até que a situação se resolva, de fato. “A partir daí, cobraremos do governo estadual uma forma mais célere para que os presos retornem ao seu local de origem”, finalizou Menezes.

Enquanto isso, Anápolis continua convivendo com os novos moradores da cidade. Em visita as instalações na última quinta-feira, 2, o que pôde ser observado da parte de fora foi uma rotina normal para um presídio. O local era fiscalizado por quatro viaturas da Polícia Militar e por duas viaturas da Polícia Rodoviária Federal que faziam a guarda do acesso pela rodovia. No portão de entrada, uma extensa fila de familiares dos presidiários que aguardavam por visitas. Nenhum deles quis falar com a reportagem.

 

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