Três meses depois de iniciada, transposição não fica pronta e mais anapolinos sofrem nos bairros com a falta de água

Nem mesmo a arrecadação milionária da Saneago em Anápolis foi capaz de cobrir o investimento de R$ 3,8 milhões de uma obra que, segundo a promessa do prefeito Roberto Naves e do governador Marconi Perillo, iriam por fim já em 2017 à falta de água

Henrique Morgantini com Paulo Roberto Belém

A festa foi grande, como sempre. Só que o resultado, também, foi o mesmo das demais obras do Governo Marconi Perillo em Anápolis: tudo pela metade, atrasado, inacabado.

Foi no dia 21 de junho deste ano que o governador Marconi Perillo, acompanhado do prefeito Roberto Naves, parou a cidade para anunciar com galhardia que havia chegado o dia do fim do problema de abastecimento de água na cidade de Anápolis. Para sepultar de uma vez por todas o discurso do prefeito da tal “municipalização”, o Governo de Goiás anunciava uma obra da transposição do Rio Capivari. Os técnicos alegavam que, com esta ação, o problema estaria – enfim – resolvido.

O prefeito Roberto Naves aplaudiu a ideia e foi o fiador da palavra de Marconi Perillo em Anápolis. Junto com ele, naquela manhã, lançou as obras da transposição das águas do Rio Capivari para o Ribeirão Piancó, o que prometia ser a resolução emergencial do problema da falta de água em Anápolis já para 2017.

Acontece que, três meses depois, ao contrário do anunciado, a situação segue a mesma. A obra da Transposição do Capivari segue a mesma linha do presídio de Anápolis, o centro de socialização de menores, do Centro de Convenções: tudo paralisado ou em ritmo lendo, mas em atraso. Para o anapolino que está sem água, o cenário é ainda pior. Isto porque semana após semana, mais e mais bairros vão sentindo os efeitos das promessas não cumpridas da Saneago, do Governo de Goiás e da Gestão Municipal. Esta última que prometeu durante toda a campanha eleitoral realizar a municipalização da água. O prefeito Roberto Naves, quando ainda era “do Órion”, gravou vídeos e deixou registros do que chamou de “gestão compartilhada” e citou exemplos de diversas cidades.

A ideia do então candidato era tão simples que hoje já não dá para entender como não foi posta em prática. Segundo a tese do candidato Roberto, a ideia era licitar a alguma empresa o direito de explorar o tratamento do esgoto da cidade e, com o lucro proveniente desta exploração, realizar todas as obras pertinentes para que a água não faltasse.

Três meses depois do lançamento da obra da Saneago e nove meses depois de tomar posse, nem uma coisa e nem outra foi vista pela população vinda da gestão de Roberto Naves.

Seca

Para a população – a bem da verdade – o discurso pouco importa. Se através da Saneago, se por uma empresa privada, se por gestão compartilhada ou por algum outro processo místico, o que o anapolino já está cansado é de saber que mensalmente terá de pagar o boleto da água sem ter qualquer garantia de que o produto vai estar à disposição para o banho ou para o consumo em geral.

Na última semana, na edição 087, A Voz de Anápolis foi aos bairros e identificou os locais e seus moradores que já padeciam pela falta de água. Nesta semana, mais bairros foram registrados como vítimas da inoperância da gestão publica e a água sumiu. Em resumo, milhares de anapolinos estão com as torneiras secas e reféns da Saneago para poderem realizar tudo aquilo que o bem mais precioso do mundo, a água, permite.

Acontece que entre essas duas datas existe uma obra ainda inacabada e sem data exata para inauguração. Tornando a explicação bem objetiva, essa obra de transposição consiste em bombear as águas do Rio Capivari para o Ribeirão Piancó, de onde é feita a captação de água para abastecer Anápolis, depois de tratada. É como se fosse o seguinte: o Rio Capivari seria uma grande torneira aberta, de maior vazão, conectada a uma mangueira extensa que fosse encher um “balde” lá na outra ponta. Esse “balde” seria o Ribeirão Piancó.

Dinheiro

Será que falta dinheiro para a realização das obras? Pelo menos se depender do prefeito Roberto Naves e do presidente da Saneago, onde falta água sobra dinheiro. Isto porque ainda durante o início das negociações entre a Prefeitura e a Estatal goiana, o prefeito chegou a oferecer a cidade como fiadora de um empréstimo no valor de R$ 50 milhões para que a Saneago realizasse as obras necessárias. A iniciativa na época causou espanto por duas razões:

A primeira é que Naves reclamava pela imprensa constantemente a falta de dinheiro que a cidade atravessava e da forma como ele recebeu os cofres públicos. E, depois que, para quem ameaçava retirar a água da Saneago, tornar-se fiador de um empréstimo milionário era, no mínimo, um absurdo.

Acontece que oferta não caiu bem. O presidente da estatal, Jalles Machado, em entrevista na cidade de Anápolis, disse que as economias da Saneago estavam indo “muito bem, obrigado” e que a empresa tinha dinheiro o bastante para tocar qualquer obra em Goiás, principalmente em Anápolis.

Mensalmente, a Saneago arrecada em média R$ 11,7 milhões provenientes de cada um dos anapolinos que fazem uso do serviço da estatal. E, ainda assim, com toda esta arrecadação e com toda a oferta de dinheiro para lá e para cá, uma obra or-çada em R$ 3,8 milhões não foi finalizada. A previsão da direção em Goiânia para o fim da obra difere em mais de um mês da previsão da gerência em Aná-polis. Enquanto aqui, fala-se em “fim de setembro”, por e-mail, a empresa informa que a obra só poderá ser liberada no final de outubro.

Obras

A equipe de A Voz de Anápolis teve acesso na manhã da última terça-feira, 19, à área em que a transposição está sendo executada. Localizada bem próxima às margens do Rio Capivari pela BR-414, foi notada a presença de operários espalhados no perímetro da tubulação ora construída. Esta tubulação, a tal “extensa mangueira” de ligação, está em processo avançado, restando para ser concluída algumas ligações e travessias.

Servidor da Saneago aponta à reportagem o local onde será instalada a bomba, mas nem sinal da bomba

Mas é na área que será instalada a bomba de captação, que é o item que vai viabilizar, de fato, que as águas do Capivari sejam transpassadas para o Piancó, é que um grupo de engenheiros ainda faziam planejamentos. No dia seguinte, naquela área, seria realizado um serviço de terraplanagem para que pudesse ficar preparada para receber a tão esperada bomba de captação. Mas no dia da visita, nem sinal desta bomba tinha.

Servidor da Saneago indica local onde será instalada a bomba, mas nem sinal da bomba

Previsão de entrega é para “o fim de setembro”, diz gerente da Saneago

A gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, justifica o atraso à espera da chegada de algumas peças para terminar as intervenções, incluindo, a tal bomba de captação. Mesmo restando uma semana para o fim do mês, ela confirma a previsão de entrega inicial. “A previsão é para até fim do mês”, diz.

Tubulação aérea foi instalada e é o que funciona como uma “extensa mangueira”, mas que não tem para onde ir já que a obra está inacabada

Entretanto, enquanto a obra não é concluída e a bomba de captação ligada, de fato, a população não vai enxergar o resultado desta promessa que seria a solução para que não faltasse água em Anápolis ainda em 2017. Se por acaso o período chuvoso começar e o nível do Ribeirão Piancó aumentar, sem que haja a necessidade da transposição das águas do Capivari, de nada terá valido o investimento de R$ 3,8 milhões aplicados nesta obra.

Como está o abastecimento de água no seu bairro?

Na última edição, A Voz de Anápolis fez uma primeira checagem em alguns bairros da cidade para avaliar como estaria o abastecimento de água de acordo com o relato dos moradores. Nesta última semana, mais setores reclamaram da falta de abastecimento. Uma nova visita foi realizada nestes bairros para novamente avaliar o quadro. Veja algumas opiniões coletadas na tarde da última terça-feira, 19, quando bairros foram visitados a fim de checar como estaria o abastecimento de água nas últimas duas semanas. Acompanhe algumas opiniões:

Dálite Silva de Lima – São Cristóvão

“Como síndica do condomínio I do São Cristóvão, represento as centenas de pessoas que moram aqui, que são as mais prejudicadas de todos os três condomínios do residencial. O São Cristóvão tem uma tubulação única. Quando a água chega no reservatório, os outros dois condomínios são abastecidos primeiro e nós ficamos por último. Quando falta água dois, três dias, quando ela retorna, o consumo fica excessivo. E o que acontece? A gente só recebe água nas madrugadas quando o consumo nos outros dois é menor. Dizem que o problema vai ser resolvido com a obra no nosso reservatório, mas é claro que a falta de água da cidade piora o quadro daqui. A gente sabe que está tendo falta nessa região. Pra quem tá lá no escritório, observar um sistema é uma coisa. Agora se pisar aqui no São Cristóvão e conviver com a realidade, a realidade é outra”.

Domício Pereira Lima – Jardim Alvorada

“Aqui o abastecimento de água está vindo dia sim, dia não. Costumamos ficar aqui um dia inteiro em água. Por isso que quando ela (a água) chega, logo encho umas vasilhas aqui em casa. Só assim para passar esse tempo. Todo ano é assim. Essa noite passada, por exemplo, dormimos sem água. Quando acordamos, estava muito fraca a vasão. É imprevisível nessa época contar com a água da Saneago”.

Eunice Gomes Alves – Granville

“O abastecimento aqui está fraco. Hoje cedo tinha água, agora à tarde já não tem. E assim tem sido nas últimas semanas: cedo tem, à tarde não tem. Pra você ter uma ideia, em um período de uma semana, falta água uns três dias. Não está normal o abastecimento de água. Quando o prefeito disse que iria resolver o problema da água eu fiquei meio em dúvida e agora está desse jeito”.

Lucimar Alves da Silva – Filostro

“O abastecimento está precário. Não tem água para nada. A situação agravou no domingo e olha que eu moro bem perto do reservatório da Saneago. Ou seja, se não tem para mim, não tem para ninguém do bairro. Quando a água vem, mal dá para encher a caixa. Por isso que você me abordou aqui na calçada, batendo papo com as vizinhas. Sem água não tem como fazer nada”.

Maria de Lourdes Rodrigues – Itália

“Essa semana começou faltando água. Na semana passada, faltou dois dias. Quando chega o mês de setembro a gente já fica com medo. Regramos o uso sendo que a gente paga a conta todo mês. Se atrasar o talão, paga multa. Mas quando a Saneago deixa de fornecer água, ela não tem nenhum prejuízo”.

Maria do Carmo Siqueira Melo – São Jerônimo

“Aqui era muito bom. Não faltava água e nem nada. Tínhamos água 24 horas. Depois que os bairros vizinhos tiveram crescimento, inclusive com grandes empreendimentos, o problema começou. Já teve vez que ficamos quatro, cinco dias sem água. Essa semana, no sábado passado veio a secura que durou três dias. Hoje está mais ou menos. A questão é que a gente nuca sabe, hoje está mais ou menos e amanhã pode não ter nada. De manhã tem, à noite não tem. É assim! A gente não pode confiar na água que a Saneago serve a gente. Ela (a água) vem e vai. Eu já vi a gerente da Saneago dando entrevista de que a situação estava normal, mas inclusive nesse dia não tinha água aqui. Ela tem que andar mais nos bairros”.

Maria José Ribeiro – Tesouro

“O abastecimento aqui está péssimo, horrível. Hoje eu levantei às seis horas da manhã para lavar roupa e quando eu abri a torneira, cadê? A gente fica refém, sem poder fazer nada. Espero que ela chegue de tardezinha para eu poder fazer o que eu preciso”.

Mayck Carvalho – Jardim Alvorada

“Como você pode ver, trabalho nessa academia e tem faltado muito água aqui. Isso prejudica muito porque os alunos não vêm treinar. Na academia a gente tenta disciplinar o aluno em relação a tomar água, mas quando não tem, fica difícil. Já faz uma semana que tá com esse problema de falta de água aqui”.

Rayane Hellen Freitas – Morada Nova

“Aqui está faltando água faz dois dias. Acabou na manhã de domingo e retornou na noite de segunda, mas mal encheu a caixa e acabou de novo. Isso dificulta muito a gente por conta da higiene e manutenção da casa. A higiene corporal a gente dá um jeito, mas mesmo assim é complicado. Quando falam que está tudo bem, não é verdade. Se o sistema diz que está tudo “ok”, eu digo que o sistema não está condizendo com a realidade. Eu abro a torneira e só sai vento. Não está vindo água para as residências. A gente fica com medo que isso aconteça em mais dias porque está faltando bastante água nesse período”.

Teresinha Ferreira da Silva – Bairro Santo Antônio

“De uma semana para cá, faltou água um dia inteiro. Com isso, eu já fiquei preocupada porque neste calor, quem é que vive sem água? É difícil! Por isso sempre tenho aqui meus tambores para armazenar água. Quando faltou água essa semana mesmo, quando voltou ela veio suja demais, parecendo barro. Aí não tem nem como usar. Ano passado, por exemplo, foi horrível. Aqui está assim, mais ou menos, mas eu sei de bairros que hoje está uma calamidade. Minha sobrinha mora no Filostro e ela disse que não tem água desde domingo”.

Thales Daniel Barbosa – Residencial Santo Antônio

“Está difícil aqui. Tem dia que a gente acorda e não tem água. Resumindo: aqui tem água dia sim, dia não. Quando a água aponta que está chegando, vem muito fraca. A gente tem que dar o nosso jeito. Eu que tenho comércio é mais difícil. Por isso que a gente é obrigado a fazer uma reserva de água. Quem está falando que não está tendo falta de água na cidade só pode estar brincando. Só pode estar defendendo o governo”.

Washington Antônio da Silva – Vila Operária

“Está faltando bastante. Todo dia de manhã não tem. Daí quando é à noite chega um pouco. Não adianta a gente só ter água durante a noite. É durante o dia que a gente resolve as coisas de casa. Por isso que quando a água chega, não importa a hora, a gente tem que encher os baldes pra poder passar o dia. A gente se sente mal com essa situação”.

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