Com muito discurso e nenhuma ação, falta d’água volta à casa dos anapolinos

Promessa de investimentos milionários, sinalização de empréstimos e a repetida história da municipalização rondam manchetes mas, de fato, a única certeza que já começa a assustar a cidade é que, com a estiagem, a água vai faltar na torneira

 Paulo Roberto Belém

Está chegando o mês de junho e, com ele, o início de um período climático de desconforto para quem mora na região brasileira na qual Anápolis está inserida: o de estiagem. Caracterizado pela escassez de chuvas, uma das principais e mais temidas consequências deste intervalo de tempo, que deve permanecer até o mês de setembro, é recorrente e temida pelos anapolinos: a falta d’água. Afinal, em 2017, Anápolis vai enfrentar, principalmente nos meses de agosto e setembro, problemas de desabastecimento de água?

Esta dúvida já começou a rondar muitos lares anapolinos, principalmente aqueles localizados nas regiões mais altas da cidade em que há uma triste agenda que se repete. No entanto, na casa da aposentada Maria das Graças Lemes, infelizmente, já não existe espaço para a dúvida.

Residente no setor Arco Verde, ela reclama que nesta semana já enfrentou dificuldades diárias com falta d’água. “A gente fica preocupada porque se em maio a torneira já ficou seca, imagina lá em setembro”, questionou. A aposentada disse que não se recorda de algum ano que o abastecimento tenha sido normal. “Todo ano falta, nunca falha”, citou, complementando que já está utilizando uma estratégia em casa. “Antes de fazer qualquer coisa que gaste muita água, eu me alerto se tem para não acabar com a reserva da minha caixa d’água”, relata.

Preocupação

Se, por um lado, o problema não é novo, por outro, ele pouco foi atacado neste ano. Mote de campanha do prefeito Roberto Naves (PTB), quando era candidato, a municipalização foi sinalizada pelo grupo político como uma solução viável e imediata para por fim ao sofrimento dos anapolinos.

Na prática, nada aconteceu. Logo após a vitória nas urnas, Naves recebeu a ligação do governador Marconi Perillo congratulando-o pela vitória e, em seguida, declarou que já se reuniria com o governador para “resolver o problema da água”. O que começava a virar água naquele momento era a promessa de campanha.

Após assumir o comando da cidade, o que se viu foi muita política e pouca intervenção efetiva. O discurso de campanha foi soterrado e só em caso de necessidade política ele volta a dar as caras. Exemplo: os primeiros quatro meses de gestão foram marcados pela aproximação da Prefeitura ao mesmo discurso de sempre da Saneago e do Governo de Goiás: serão investidos milhões – a promessa total é de mais de R$ 118 milhões – em obras para pôr fim à agonia dos anapolinos.

Como na prática, passaram-se mais de 120 dias e nada aconteceu, somente agora o prefeito Roberto Naves foi atrás de uma agenda pela municipalização. Com ares de retaliação política, o prefeito foi até a cidade de Catalão para “ver como funciona” o processo de abastecimento municipalizado. Catalão é uma das cidades que municipalizaram o serviço e, por isto, vem enfrentando diversos problemas por lá.

Roberto Naves visitou a cidade acompanhado de uma comitiva de assessores e políticos, sem nenhum técnico que pudesse trocar informações precisas sobre em qual direção deve-se atacar para assumir o desafio da municipalização. Diante disto, repete-se o mais do mesmo: uma agenda de discursos, mas sem qualquer desdobramento prático.

Na prática

No terreno da realidade, este em que as famílias estão já se preparando para mais um ano de falta de água, nem uma coisa e nem outra funcionou. A promessa dos R$ 118 milhões em investimentos – anunciada com euforia pelo gabinete municipal no início do ano – previa um aporte de R$ 15 milhões já em 2017. Esta quantia serviria para obras emergenciais a fim de já melhorar a vida dos anapolinos neste ano.

Uma das integrantes à reunião que bateu o martelo definindo um cronograma para estes investimentos, a gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, dá o tom da realidade da estatal em Anápolis e dos resultados das parcerias: nenhum centavo deste montante foi aplicado, ainda, por conta de questões burocráticas. “Esse prazo não foi suficiente por conta das licitações”, justifica, complementando que já previa que no primeiro semestre não seria possível aplicar estes recursos. É preciso frisar que a alegação dos problemas “com a demora das licitações” é tão antiga quanto o problema em si.

Se o investimento que deveria vir não veio, nem é preciso explicar para que lado a municipalização andou: para lugar algum. A única ação foi o encontro entre o prefeito Roberto Naves e o colega de Catalão, Adib Elias. Em entrevista a uma rádio local, ele justificou a visita. “Foi dada a oportunidade para que a Saneago possa estar resolvendo o problema da água em nossa cidade, mas não podemos ficar reféns e ficar dependendo só disso. O prazo está correndo e estamos esperando que os investimentos sejam feitos e que o problema seja solucionado”, disse.

Entretanto, o prefeito reconheceu que pode ter esperado demais e que o dinheiro não apareça. Segundo ele, dada a importância de Anápolis, também tem que ser trabalhada com outra possibilidade, caso a Saneago não consiga resolver o problema. “Visitamos Catalão para ver como funciona, se é um sucesso, como foi feito, se é viável financeiramente e se isso melhora a qualidade do produto e do serviço para a população”, explicou, afirmando que em Catalão é um caso onde a municipalização deu certo.

Acompanhado de políticos como os deputados Henrique Arantes (PTB) e Carlos Antônio (PSDB), Roberto Naves fez uma visita a Adib Elias, em Catalão: nenhum progresso técnico

O prefeito disse, ainda, que visitará outras cidades onde a municipalização existe para fechar sua opinião a respeito do assunto. A afirmação torna-se curiosa à medida que, enquanto candidato, o mesmo Roberto Naves já tinha uma visão bastante afirmativa e definida sobre o assunto.

Gerente afirma que obras dependem de um dinheiro que ainda não veio

A gerente da Saneago em Anápolis, Tânia Valeriano, justifica que, por conta dos recursos dependerem do Estado e de um financiamento em nome do município para que a Saneago pague, tudo tem que estar regularizado para que se faça a licitação. “Uma coisa depende da outra. Eu não posso licitar para depois definir a origem do recurso”, explicou. Tânia cita que esses R$ 118 milhões tratam-se do valor a ser aplicado para a conclusão de todas as obras previstas (acompanhe box nesta página) para o sistema de abastecimento dizendo que estas não farão falta para 2017. “Espero que os R$ 118 milhões cheguem no tempo necessário de cinco anos, mas a gente espera que as obras, pelo menos, comecem neste ano, porque demandam tempo”, disse.

Tânia Valeriano, gerente da Saneago, torce para que neste ano haja menos problemas que em 2017: por enquanto, nove de 40 poços começaram a ser furados

Mesmo sem as obras programadas, Tânia mostra otimismo para 2017. Ela prevê que terá menos problemas de abastecimento que em 2016. Agora, em relação às obras, de fato, ela confirmou que estão sendo perfurados poços artesianos para captação em algumas regiões, mas ela não garante a eficiência deles.

“Dos 40 previstos, nove já foram perfurados. Destes, somente quatro vingaram”, apontou, reiterando que no 15º poço perfurado fará uma avaliação para checar se compensa continuar ou interromper este processo. Sobre a visita de Roberto Naves e sua comitiva à Catalão, Tânia Valeriano reconhece a atuação do prefeito. “Ele tem sido bastante frequente. É importante. É preciso conhecer antes de decidir”, aconselha. A gerente aponta que não se pode tomar decisões complexas do tipo sem o devido conhecimento.

“São decisões muito importantes que interferem na vida da população para o bem ou para o mal. Estamos com cinco meses e qualquer atitude seria precipitada. Não pode cobrar imediatismo numa situação tão complexa porque requer uma muita avaliação de questões financeiras, técnicas, sociais e políticas”, afirmou.

Presidente afirma que Saneago tem crédito e não precisa de empréstimo da Prefeitura

Para quem imaginava que a Prefeitura de Anápolis fosse a tábua de salvação da Saneago em Anápolis está muito enganado. A gestão municipal, que volta e meia reclama da falta de condições financeiras dos cofres públicos, se lançou no início do ano a uma missão arrojada: emprestar seu crédito para que a estatal goiana pudesse realizar obras na cidade.

O presidente da Saneago, Jalles Fontoura, dispensou os R$ 50 milhões que o prefeito ofereceu se endividar para oferecer: todos querem emprestar dinheiro para a gente

O prefeito Roberto Naves (PTB) anunciou que iria comprometer a capacidade de endividamento da cidade na ordem de R$ 50 milhões através de um financiamento que deveria ser pago pela Saneago. A verba seria usada para executar projetos que visassem pôr fim à falta de água neste ano em Anápolis.

Acontece que, em visita à cidade por conta da audiência pública na Câmara Municipal realizada na última quinta-feira, 25, para tratar do que tem sido feito pela Saneago na cidade aos vereadores, o presidente da estatal, Jalles Fontoura, anunciou que a proposta foi feita sem necessidade.

“A Saneago, hoje, tem garantias e ativos que podem garantir financiamentos. Muitos bancos estão nos oferecendo recursos. A Saneago hoje tem um patrimônio líquido de R$ 2,7 bilhões, tem lucro de R$ 147 milhões, como foi em 2016”, gabou-se Fontoura.

O presidente da empresa responsável pelo abastecimento de água em Anápolis chegou a desdenhar da proposta de Naves. “A prefeitura ofereceu o crédito para fazer o empréstimo para a Saneago pagar. Estamos discutindo esta oferta porque hoje nós temos crédito abundante. Dinheiro não é uma questão que bloqueia a Saneago”, anunciou.

Segundo Fontoura, para 2017, a intenção é realizar obras que evitem o desabastecimento de água no período da seca. “E em 2018, faremos um reforço. São várias obras que estão sendo feitas até entrar a captação nova do Capivari”, resumiu.

Para onde deveriam ir os R$ 118 milhões prometidos:

 – Construção de nova captação no Piancó 1

– Ampliação da captação no Piancó 2

– Ampliação da Estação de Tratamento de Água (ETA)

– Construção de captação provisória no Capivari

– Construção de captação definitiva no Capivari

– Obras de melhorias operacionais para combater perdas

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