Dom João Wilk: “Cuidemos da nossa casa comum, cuidemos do ambiente que vivemos”

Felipe Homsi e Paulo Roberto Belém

Dom João Wilk nasceu na Polônia em 1951. Seu compromisso com a igreja e com a vida e vocação sacerdotais foi intensificado na década de 1970, quando foi ordenado. Ele vê na Campanha da Fraternidade deste ano uma oportunidade para que a sociedade, agentes políticos e a Igreja se coloquem em conjunto para a preservação do Meio Ambiente e, principalmente, da vida. A preservação da criação e o distanciamento do pecado estariam entre os principais elementos da campanha, que se fortalece durante o período da Quaresma, que antecede à Pascoa. Dom João fala ainda sobre a postura do Papa Francisco e sua “cultura da proximidade”; e detalha que a Igreja Católica, sem perder sua essência, está atenta às mudanças da sociedade.

A Voz de Anápolis – Qual é a relação entre a Quaresma e a Campanha da Fraternidade?

 Dom João Wilk – A Campanha da Fraternidade inicia com o período quaresmal. Tempo de preparação para a páscoa, mas, também, um tempo de conversão. “Convertei-vos e crede no evangelho”. Isso quer dizer que é uma análise, um exame de consciência sobre a nossa vida, sobre os rumos que damos à nossa vida e a vontade de Deus: Qual o plano de Deus para o ser humano, para a criação? Quando se fala da Campanha da Fraternidade, é exatamente estes dois apelos. Considerar a nossa conduta com determinado tema relativo ao próximo e relativo também ao ambiente, à casa comum, e nosso estilo individual se soma. Por isso, se constitui o pecado social. Não quer dizer que a sociedade como tal está cometendo pecado. São os indivíduos que formam a comunidade que vive um estilo que precisa de uma revisão. A Campanha da Fraternidade tem mais de 50 anos. É lançada pela Igreja Católica, mas abrange toda a sociedade. É uma proposta de reflexão que envolve as autoridades, os grupos sociais e que também provoca grande interesse na mídia porque os temas levantados são de interesse social.

AVA – O que o senhor pode dizer sobre a CF deste ano, que tem o tema “Fraternidade, biomas brasileiros e a defesa da vida”?

DJW – É o ponto forte deste ano, ou seja, temos como objetivo a “Fraternidade e os biomas”, que significa cultivar e guardar a criação. É a missão do homem. O pecado original desfigurou o rosto humano e a sua relação com o mundo. Tornou-se um espelho embaçado pelo qual nós não reconhecemos com clareza a face de Deus que se faz presente na sua obra prima que é a criação. E quais são os objetivos da Campanha? De modo geral, é o de cuidar da criação. É uma missão de todos nós. É um tema que curiosamente se repete porque na medida em que a sociedade está se desenvolvendo, a cidade degrada a criação. Então é cuidar da criação, em modo especial do bioma brasileiro, que são dons de Deus.

AVA – A população do centro-oeste deve ter um maior comprometimento visto que vive num dos maiores biomas?

DJW – Não diria que maior comprometimento. Mas já que estamos inseridos dentro do cerrado, é isso o que nos interessa mais. O cerrado é chamado de “caixa d’água do Brasil”. A meu ver, esta é a principal característica que poucos conhecem e valorizam. Nós somos contentes por ter rios – veja a abundância deles em torno de Anápolis. No entanto, a cidade sofre a falta de água. É uma curiosidade. O cerrado é considerado o mais antigo bioma do Brasil. É uma floresta para baixo, quer dizer que toda biomassa está acumulada debaixo do solo. Enquanto em cima fica muito pouco. Por isso as árvores têm raízes profundas para tirar água da profundidade. E uma vez devastado, o cerrado não se refaz.

AVA – Falando dessa sustentabilidade, qual é a principal importância da Campanha da Fraternidade deste ano?

DJW – É o apelo aos políticos. Criar os órgãos adequados, competentes e ágeis. Não adianta fazer, por exemplo, do Ibama ou de outro órgão de fiscalização uma fábrica de multas. Sem políticas, sem estudos aprofundados, como conciliar as coisas? E como colocar as condições para quem tem lavouras de grandes extensões? Qual a política da água? Por exemplo: não proibir a irrigação, mas como ela deve ser feita. Depois, é preciso avaliar o atraso na análise dos projetos de irrigação, porque os plantadores sofrem por causa da demora. É questão de política e de agilidade. Então, a Campanha da Fraternidade se dirige, neste caso, para as autoridades para que se antecipem com as coisas.

AVA – A campanha deste ano e algumas anteriores falam do ecumenismo, com participação de outras igrejas cristãs na proposta. Como isto é feito em Anápolis?

DJW – A campanha da fraternidade ecumênica foi iniciada em 2000, para comemorarmos juntos os dois mil anos de Jesus Cristo. E, a cada cinco anos, ocorre a campanha ecumênica, ou seja, algumas igrejas se unem para elaborar os temas e participam dela. Participam deste grupo igrejas inscritas no CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Aqui em Anápolis nós temos poucas igrejas inscritas. Mas a Campanha da fraternidade alcança eles também. O tema interessa a toda a sociedade. E o setor religioso tem a responsabilidade de promover a ética, moral, uma vida segundo o evangelho.

AVA – O senhor citou a relação do trabalho a muitas mãos. Também falou de políticas públicas. Como tem sido o relacionamento com a Prefeitura para garantir que campanhas de interesse social trabalhem em conjunto?

DJW – Graças a Deus em Anápolis e nos municípios que formam a nossa Diocese, esta colaboração é muito próxima. Nós reconhecemos esta abertura da parte dos poderes públicos para o trabalho da igreja e o desejo de colaboração. Nós somos cobrados de marcar mais presença na sociedade, não apenas no anúncio do evangelho, de cuidar da santificação, mas também estarmos presentes na construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária, de combater juntos os males que afligem a nossa sociedade. E com todas as administrações municipais nós tivemos um diálogo muito bom.

 AVA – O Papa Francisco tem promovido uma mudança de comportamento na Igreja. Como o senhor observa esta mudança de comportamento a partir do posicionamento dele?

DJW – O trabalho da reforma das instituições, por exemplo, na cúria romana, foi solicitado antes da eleição do Papa. Portanto, qualquer Papa que fosse eleito já tinha uma incumbência de promover certas reformas. O ponto de referência do Papa Francisco é o evangelho. Ele muitas vezes foi acusado inclusive de seguir uma ideologia de Esquerda, Teologia da Libertação. Ele respondia que isto não é problema de uma ideologia. Isto é o evangelho. Então, ele, com o seu comportamento, com os seus gestos, que muitas vezes parecem clamorosos, proclama o evangelho. A institucionalização da igreja, quando é acentuada demais, pode ser obstáculo para transparência do evangelho. E o Papa entende muito bem isso. Uma das características do Papa Francisco é a cultura da proximidade.

A igreja absorve facilmente e com sinceridade os seus pecados. Não são pecados da igreja como corpo místico de Cristo, mas são pecados de homens da igreja, individuais. E isto gera, geralmente, escândalo. Às vezes é fonte de crítica de algumas partes. Com humildade, o Papa aceita isso e se propõe a trabalhar. O Papa é rigoroso, por exemplo, com os padres. É como o pai que quer educar os seus filhos.

Outra característica do Papa Francisco é a igreja em saída, a igreja missionária. Nós precisamos pensar na periferia, nós precisamos pensar naqueles que são distantes, mesmo batizados, mas não são evangelizados. Precisamos pensar nos novos bairros que estão crescendo. E não só as periferias geográficas, mas também as periferias existenciais. Alguém que mora no centro pode estar muito distante da vivencia religiosa, do projeto de Deus, de temas que envolvem, por exemplo, o seu futuro, a sua salvação. E, tendo uma condição material favorável, às vezes ele está na periferia, não é alcançado pelo anúncio. E Cristo quer que todos sejam discípulos.

 AVA – Esta postura do Papa vai ao encontro daquelas pessoas que talvez não sentissem que tinham a devida atenção?

DJW – Sim. O Papa tem uma característica de ser transparente, de falar uma língua que o povo entende. A igreja sempre teve esta atitude, esta preocupação. Mas por exemplo, o Papa Bento, o grande Papa Bento era professor. Então, quem mais entendia a sua linguagem era mais a classe intelectual. Agora, o Papa Francisco é um pastor.

AVA – Na sua visão, ainda existe algo na Igreja que tende a mudar ou que precise ser mudado?

DJW – Nós temos o evangelho como referência. Quando nós falamos de mudanças, é preciso entender aquilo que é permanente na igreja, o depósito da revelação, os princípios da fé, os princípios morais, que nunca mudam. Tem estruturas que eram eficientes há cinquenta anos, mas hoje são obsoletas. É preciso ter coragem de perceber isto e mudar, adequar. Não significa mudar a verdade. A verdade não pode ser mudada. E a igreja é muito atenta sobre a doutrina, para não mudar nada. Uma coisa muito importante: a igreja não é proprietária do evangelho, ela escuta a voz do espirito santo e o transmite para o povo. A igreja não busca aplausos. Se a igreja buscasse aplausos, iria na onda da sociedade.

AVA – O senhor poderia deixar uma benção para os leitores do Jornal A Voz de Anápolis?

DJW – Os meus votos, os meus desejos: Cuidemos da casa comum, cuidemos do ambiente em que vivemos, cuidemos do irmão, que é imagem e semelhança de Deus, cuidemos também das plantas, criação, da ordem social, porque isto tudo Deus preparou para a nossa felicidade. Preservando a natureza, garantimos bem estar para nós e para as futuras gerações. Descobrindo a imagem de Deus no próximo, nós nos realizamos como pessoas humanas, superamos o individualismo. Então, o tempo da Quaresma é o tempo de morrer com Cristo. Vamos tentar morrer para o pecado, para a mentalidade imprópria, discordante com o evangelho e vamos buscar uma nova vida que Cristo nos dá com o seu ensinamento, com o seu evangelho, que ganhou já para nós, com o poder da ressurreição. Então, eu desejo uma vida feliz para todos e uma Feliz Páscoa. Que juntos sejamos mais felizes.

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