Pais adotivos e crianças: à espera de um encontro de Amor

Preferência de famílias por crianças de zero a três anos e morosidade no processo estão entre os fatores que fazem com que muitos que estão na fila para serem adotados demorem a encontrar sua nova família: curso a futuros pais incentiva casais os a escolherem os mais velhos

Felipe Homsi

O dia 12 de setembro de 2008 tinha tudo para ser um dia comum na vida de Nataniel Vitor de Siqueira Santana que, à época, tinha três anos e cinco meses. Mas esta data acabou por tornar-se uma das mais importantes da sua história de vida. Foi neste dia que ele foi adotado por Armando Iran Santana, eletricista de 42 e anos, e Joice Regina de Siqueira Santana, psicóloga de 34 anos. De lá em diante, Nataniel deixou de ser mais um órfão e passou a ter uma família.

Nataniel Santana, o Natim, se tornou o caçula e o querido da família: mãe afirma que o filho jamais sofreu preconceitos por ter sido adotado

O dia da adoção é, para as famílias e para a criança, tão importante quanto o nascimento. É, em grande parte, um novo nascimento e quase sempre torna-se uma data também a ser celebrada. E foi com este sentimento que o pequeno Nataniel, hoje com 11 anos, ganhou um novo lar. Além dos pais que lhe faltavam, ele foi presenteado com uma irmã, Geovanna Siqueira Santana, 17 anos, além de tios, primos e avós. E claro, muitos amiguinhos.

A história desta família que recebeu Nataniel, o “Natim” – apelido dado pela mãe logo quando chegou à nova casa – se repete, em média, 15 vezes por ano em Anápolis. Este é o número médio de adoções e está bem distante do ideal para diminuir a extensa fila de crianças que sonham com um lar.

“Foi no olhar que ele nos tocou e nós também a ele. E nós sempre falamos que não fomos só nós que adotamos ele, mas ele nos adotou também, como pais”, revela Joice Regina, externando tudo o que a criança passou a representar para os integrantes da família

“Nós sabíamos no nosso íntimo que ali começava a nossa história com ele, de pais e filhos”, continua. Ela retrata um amor que “estava sendo construído” quando eles se tornaram a chamada Família Acolhedora, termo técnico dado às famílias fazem o pedido no Juizado da Infância e Juventude para a adoção. O casal Armando e Joice ainda não possuem a guarda definitiva do rapaz, já que ele possui outros irmãos e o seu processo de adoção é vinculado aos outros.

Processo lento

Por enquanto, eles têm a tutela de Natim, que ocorre quando já houve a destituição do poder familiar dos pais biológicos e a segunda família passa a ser representante legal da criança adotada. A adoção, último estágio, é quando o filho adotado passa a ter totais direitos como os filhos biológicos de quem adota. Neste caso, pode haver alteração do nome. O nome de registro de Nataniel é Daniel.

Quando o processo de adoção for concluído, o nome em seus documentos deverá ser Nataniel Vitor de Siqueira Santana, de acordo com Joice e Armando. Em maio, ele completa 12 anos e, por mais que o tempo passe, a mães não consegue se esquecer do momento em que viu Natim: “foi amor à primeira vista”.

Apesar de sua satisfação em ter o filho ao seu lado, ela relata que o processo de adoção é lento e, nas suas palavras, bastante burocrático. Ela indica a importância da adoção na vida do menino, já que ele sofreu abandono por parte dos pais, que tinham uma vida, segundo Joice, complicada. Um outro fato relevante na vida da criança é que parente algum se interessou por ele. De acordo com a legislação, a família tem prioridade no processo de adoção.

Joice Regina, que viveu na pele todo o processo de aproximação sentimental por Nataniel e teve, ao lado do marido, também de enfrentar a lentidão e a burocracia do processo destaca que a fila de adoção é grande, mas a de famílias interessadas em encontrar crianças também é. “Existe uma procura muito grande dos dois lados. E há muitas crianças disponíveis, mas são muitos os entraves burocráticos”, explica. Segundo ela, isto diminui as chances de a criança ser adotada.

Conforme relatou Joice Regina, mãe de Nataniel, ele nunca sofreu nenhum tipo de preconceito e em pouco tempo já se integrou à nova família, de forma natural. Ele, que é natural de Tangará da Serra (MT), não teve dificuldades para chamar de “avó”, “primo”, “tio” e demais parentes na nova família.

Meninas brancas de até três anos são o foco das famílias que buscam adoção

Apesar das preferências, Carlos Limonge, da Infância e Juventude, rechaça a ideia de preconceito no processo de adoção

O juiz da Infância e da Juventude de Anápolis, Carlos José Limongi Sterse, explica que para adotar uma criança o casal não precisa necessariamente estar legalmente casado. Quem possui união estável e, em alguns casos, até mesmo solteiros podem adotar um filho. É necessário comparecer ao Juizado e fazer uma espécie de “inscrição” para, aí sim, dar início às etapas do processo.

Uma avaliação de quem se inscreve é feita, levando-se em conta o ambiente em que vive, as condições socioeconômicas, estrutura familiar e demais aspectos que comprovam sua capacidade de cuidar da criança ou adolescente que está para adoção. Diversas visitas à casa dos candidatos a pais são feitas e há a realização de cursos preparatórios para os chamados “pretendentes”.

Limongi pontua que é preciso haver um ambiente saudável, que indicará a forma como o adotado irá viver quando sair da instituição em que se encontra e ir para a sua nova família.

Características

A maioria das pessoas que se inscrevem para adotar apresenta preferência por crianças de zero a três anos, do sexo feminino e da cor branca, conforme pontua o juiz Sterse. Apesar disso, ele não tem visto problemas ou preconceitos na adoção de crianças negras.

Grupos de três ou mais irmãos, maiores de sete anos, portadores de deficiência ou HIV estão entre os grupos que têm mais dificuldades para encontrar pais e fazer parte de uma família. Conforme explica o Juiz da Infância e da Juventude, durante o curso preparatório, os interessados em adotar são incentivados a adotarem crianças ou adolescentes mais velhos. Em Anápolis, estão disponíveis para adoção atualmente 6 pessoas, de 10 a 17 anos, sendo quatro meninos e duas meninas.

Ele explica que o número alto de crianças e adolescentes nas chamadas “entidades de acolhimento” não significa que elas estejam para a adoção. Algumas destas ainda se encontram no que se chama de “destituição” da família original, que envolve o Ministério Público. O processo pode durar anos, o que explica a demora que algumas crianças e adolescentes têm para poderem encontrar sua família.

As principais entidades de acolhimento em Anápolis são a Creche e Abrigo Mater Salvatoris, o Instituto Cristão Evangélico e o Instituto Luz de Jesus. Os motivos que levam a criança a ser destituída são vários, entre eles a entrega voluntária dos pais à Justiça ou às instituições, processos judiciais transcorridos após maus tratos, incapacidade familiar de cuidar dos filhos, entre outros.

Implicações

“A melhor instituição que nós temos é a família”, com esta frase, o juiz da Infância e da Juventude sinaliza que a criança precisa de referência no novo lar. Sterse ressalta que o ato de adotar exige responsabilidade e explica que o estágio de convivência com a nova família é necessário.

Apesar de serem raros, em 15 anos ele já observou sete casos de devolução de filhos adotados em Anápolis. Ele explica que, mesmo sendo entregue novamente para a adoção, o filho adotado passa a ter direitos patrimoniais e de herança, assim como demais prerrogativas legais, assim como os filhos biológicos. Por ano, são 15 adoções realizadas em Anápolis.

 

“Irmãe” luta pela guarda dos irmãos mais novos

Maria Divina espera ter em breve a guarda definitiva dos seus dois irmãos, que a consideram “mãe”

Maria Divina Leal Rodrigues tem 52, é aposentada e carrega um sonho no coração: ter a guarda definitiva de seus irmãos, JL, de oito anos, e CF, de treze anos. O menor está no 2º ano e o maior faz a 6ª série do ensino básico. O pai deles faleceu em 2012 e a mãe no dia 25 de dezembro de 2016. Maria, JL e CF são irmãos apenas por parte de pai.

Em 2015, Maria Divina obteve a guarda dos meninos, após um processo judicial em que ela alegou abandono das crianças por parte da mãe, que, conforme relatou, ia para festas e deixava as crianças sem cuidado. Eles ficavam muitas vezes sem comida e sem banho. Certa vez, conforme seu relato, a mãe biológica puxou uma das orelhas do mais velho com tal força que influenciaram em seus problemas de audição. Hoje ele usa aparelho para escutar melhor. “Jogava ele na parede”, relatou.

Denúncia

“Resolvi denunciar para pegar eles”, conta. Após ser ameaçada pela mãe biológica, em 2016 resolveu devolvê-los. A situação de maus tratos se agravou desde então. Após uma nova denúncia, o Ministério Público resolveu encaminhá-los para o Instituto Cristão Evangélico. Ela destaca o papel importante desta instituição, que fornece todo o necessário, incluindo atendimento médico e odontológico.

Apesar do cuidado, ela afirma que “abrigo é para quem não tem família”. “Quem tem família, tem que ficar com a família”, defende. Por isso, ela quer logo a guarda definitiva dos meninos. Maria Divina informou que o Juizado está agilizando o processo, mas que o “tempo certo e tempo de Deus”. “O amor que eu tenho por eles é incondicional”, diz, revelando que, apesar de ser irmã biológica, considera-se mãe dos rapazes.

“O amor que eu tenho por eles é imenso. Porque eles são sangue do meu sangue. E é a mesma coisa de filho”, acrescentou. “É muito triste ficar aqui”, diz sobre a situação atual dos meninos, em processo de adoção. A “irmãe”, que participa ativamente da criação deles, acredita que “o valor que a família tem é muito grande”. Perguntados qual o sentimento que nutrem pela irmã mais velha, ambos respondem sem pestanejar: “Amor de mãe”.

Algumas instituições que cuidam de crianças desassistidas

 Lar da Criança

Lar da Criança Humberto de Campos abriga 70 crianças, mas somente algumas vão para adoção

No Lar da Criança Humberto de Campos, 70 crianças são assistidas, por convênio com a Prefeitura para crianças a partir de quatro anos. Em alguns casos, as crianças são encaminhadas para adoção. O coordenador, Iron Junqueira, é “contra a adoção”, mas aceita em casos “irreversíveis”. O lar foi criado em 1966 e inaugurado em 1968. Ele afirma que a instituição tinha no ano passado 12 funcionários, mas que ainda não tiveram seus contratos renovados pela Prefeitura. Atualmente, somente seis pessoas, maioria voluntários, atuam no local.

Iron Junqueira, diretor do Lar Humberto de Campos, é a favor da adoção apenas em casos “irreversíveis”

Instituto Cristão Evangélico

Instituição está entre as que possuem parceria com o Juizado da Infância e da Juventude para a adoção de crianças e adolescentes

O Instituto Cristão Evangélico abriga crianças abandonadas ou vítimas de negligência dos pais, além das que sofreram abuso sexual. Um rapaz de 15 anos, além dos irmãos de Maria Divina, está para adoção. As outras 28 crianças, de 7 a 17 anos, ainda não foram destituídos da família biológica. Duas repúblicas, uma feminina e outra masculina, foram criadas para jovens com mais de 18 anos. Um campo de futebol society está sendo construído no instituto para formar jogadores. A expectativa é atender a 250 crianças.

Instituto Cristão Evangélico tem escolinha de futebol para desenvolver atletas entre crianças e adolescentes da instituição

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