Para saldar dívida mensal da Previdência municipal, gestão estuda ceder áreas públicas para ISSA

Além do repasse de imóveis públicos, como o Kartódromo, que passaria a servir de garantia para pagar pensões de servidores municipais, ainda há o repasse de R$ 200 milhões da dívida ativa e o aumento da contribuição dos servidores de 11% para 14%

Henrique Morgantini e Paulo Roberto Belém

Comprar vidas. O termo é estranho e só facilmente aceito no mundo dos videogames, especialmente em jogos eletrônicos de aventura. Mas este é o conceito usado como alternativa para o Instituto de Seguridade Social de Anápolis – ISSA. O órgão usa da matemática financeira para “comprar vidas” que, no caso, é o estudo a longo prazo para manter o pagamento dos aposentados da Prefeitura. A negociação, que envolve também a contribuição mensal dos servidores da ativa e ainda a contribuição patronal, tem como objetivo viabilizar a manutenção do órgão previdenciário municipal que administra as aposentadorias e pensões dos servidores inativos da Prefeitura de Anápolis.

A previdência municipal anapolina é encarada como preocupação pelos gestores, tanto do ISSA, Rodolfo Valentini, quanto pelo próprio Prefeito Roberto Naves. Isto porque, mensalmente, a contribuição previdenciária dos funcioná-rios somada à contribuição patronal que são repassadas pela Prefeitura não estariam sendo suficientes para quitar todas as aposentadorias e pensões.

A saída para compor o valor é que o saldo seja completado por um repasse mensal da Prefeitura. Segundo informações do gabinete municipal, no mês de outubro, foram R$ 3,9 milhões depositados além do compromisso legal das contribuições.

Fundos

Dentro da ideia de          “comprar vidas” ou mesmo de gerenciar o número de vidas que dependem do Issa, junto com as que ainda vão depender, o instituto dispõe de dois fundos. São eles que administram os recursos provenientes das contribuições previdenciárias e patronais. O primeiro, que abriga maior quantidade de “vidas”, ou seja, de servidores inativos, é o Fundo Financeiro do Issa. É este fundo que mensalmente precisa ser inflado com aportes além das contribuições.

Acontece que o outro fundo, chamado de Previdenciário, é superavitário e tem, hoje, mais de R$ 67 milhões em caixa. Isto sem contar que as aplicações financeiras deste montante rendem ao próprio fundo lucros mensais de R$ 600 mil, segundo informações do próprio Instituto. Este fundo foi criado a partir da realização da chamada Partição de Massa, promulgado em lei em 2012. Esta lei permitiu que o repasse fosse feito a outro fundo, prevendo a criação de uma conta de segurança para garantir o futuro dos servidores aposentados e pensionistas.

A solução, então, parece simples: o Fundo Previdenciário (o que tem dinheiro) compraria vidas do Fundo Financeiro – que vive no vermelho e passaria a fazer o pagamento destas aposentadorias e pensões, diminuindo o aporte mensal que a Prefeitura tem que fazer ao fundo deficitário. A logística financeira soa simples e óbvia. Mas, para isto acontecer seria preciso a realização de algumas medidas que implicam com toda a cidade. E o mais polêmico: o uso de áreas públicas, que são de todos os contribuintes anapolinos, para servirem de moeda para resolver a aposentadoria de servidores de uma única “empresa”, no caso, a prefeitura.

 Estudo

A mexida jurídica que permitiria a transação destes dois fundos chegou a partir de um estudo elaborado e divulgado por técnicos do Instituto de Apoio à Fundação da Universidade de Pernambuco – Iaupe. O instituto foi contratado pela Prefeitura para apresentar soluções para o ISSA. O custo da consultoria realizada, de acordo com o Diário Oficial, foi de R$ 527.750,00 (quinhentos e vinte e sete mil, setecentos e cinquenta reais)

Rodolfo Valentini, presidente do Issa, divulga conclusão principal do estudo: “Issa é viável desde que se faça algo”

E a conclusão é que: para viabilizar a transferência de vidas de um fundo para outro, é preciso que haja a transferência de imóveis públicos específicos da Prefeitura para o Issa. Além disto, também seria necessário o aumento da alíquota da contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Outra medida, divulgada pelo diretor-presidente do Issa, Rodolfo Valentini, seria o repasse de parte da dívida ativa para o ISSA. “O prefeito tem intenção em direcionar R$ 200 milhões da dívida ativa da Prefeitura para o Instituto”, citou. Com isto, o ISSA passaria a ser proprietário de uma dívida milionária, mais de uma centena de milhões em imóveis e, por fim, o contribuinte interessado diretamente na aposentadoria, ou seja, o servidor, ainda precisaria pagar a mais por mês para garantir a sua aposentadoria.

Para Valentini, o aumento de alíquota no repasse do servidor “é a que menos subsidia a situação”. “Eu particularmente nunca defendi”, revela. Ele destaca como “mais interessante” o repasse desses imóveis específicos e de parte da dívida ativa.

Imóveis

Na lista dos imóveis, há espaços bastante conhecidos da população e outros em setores menos visitados. Alguns deles são o que se pode chamar de “orgulhos anapolinos”. É o caso do segundo mais valioso deles, a área do Kartódromo. Mas há, ainda, o Terminal Rodoviário e o Mercado do Produtor (Ceasa). Os outros imóveis são áreas públicas em bairros distintos. Somadas, as avaliações destes imóveis, segundo o estudo, chegam a de R$ 138,5 milhões. Descontando o índice de 20%, previsto caso haja uma venda forçada destes imóveis, o valor destes global de R$ 110,8 milhões.

Imóvel mais caro de acordo com o estudo, Terminal Rodoviário está avaliado em R$ 62,6 milhões

O ponto de grande debate e, claro, polêmica, é que são mais de R$ 138 milhões de um patrimônio da cidade, portanto, pertencente a todo os cidadão contribuintes da cidade, que seriam destinados único e exclusivamente para garantir o pagamento das aposentadorias de um único grupo, o dos aposentados da gestão municipal. O questionamento social e até mesmo legal é: estes imóveis pertencem à cidade ou à “empresa” Prefeitura somente?

Garantia

O diretor do Issa acredita nesta solução. Valentini revela que com este patrimônio agregado ao Instituto, seria viável a “compra de vidas” pelo Fundo Previdenciário, medida que tem que ser autorizada pela Secretaria Nacional da Previdência, órgão que substituiu o Ministério da Previdência extinto pelo presidente Michel Temer.

“A Secretaria da Previdência só permite isso se houver garantia da sustentabilidade do fundo que está saudável. Quando se justifica a autonomia financeira para manter o fundo para aonde eu estou passando essas vidas, no caso o Previdenciário”, explicou Valentini.

Espaço na saída principal da cidade está avaliado em R$ 40,2 milhões, o segundo mais caro da lista

Mesmo com a concretização desta mudança, não seria ainda possível à gestão se ver livre do pagamento mensal extra. A quantidade de vidas a serem compradas foi apresentada pelo estudo e, de acordo com informações do presidente do órgão municipal, ainda demandaria o pagamento, ainda que com menor valor. “De acordo com estes ativos, poderiam ser transferidas 492 vidas de um fundo para o outro. Com isso, menos R$ 1,5 milhão mensais deixariam de ser aportados”, destacou. Tirando por base o valor de R$ 3,9 milhões de outubro, ainda assim a Prefeitura precisaria inteira R$ 2,4 milhões por mês. 

Uma vez repassados, destino dos imóveis caberia a decisão de conselho deliberativo

De que forma estes imóveis, se repassados eventualmente para o Issa, poderiam viabilizar a sustentabilidade do Fundo Previdenciário do Instituto? As opções foram divulgadas pelo diretor-presidente do Issa, que faz uso dos dados do estudo realizado.

Terceiro imóvel mais caro, local está avaliado em R$ 16,4 milhões

Valentini ressalta, ainda, que que “toda e qualquer decisão que pode ser feita com esses imóveis virá de um consenso entre os conselhos deliberativos do Instituto”, a exemplo do previdenciário e fiscal, e da gestão do Issa. “Não será a administração, nem o presidente do Issa que vai decidir. Serão os membros destes conselhos, a exemplo do SindiAnápolis, Sinpma, e SindiSaúde, que em conjunto com a gestão do Issa, vão definir o que será feito com esses imóveis”, disse Valentini.

Venda

O diretor-presidente esclarece que na hipótese desses imóveis serem repassados para o Issa, há uma série de alternativas para eles. A primeira citada por Valentini é em relação à especulação imobiliária destas áreas. “Eles (os imóveis) podem simplesmente ficar ali valorizando”, disse. “Assim você garante a sustentabilidade da medida”, completa.

De acordo com presidente do ISSA, Rodolfo Valentini, tudo pode acontecer aos imóveis: serem mantidos, serem vendidos à iniciativa privada ou até mesmo serem alugados: “podemos construir salas” – acima, a rodoviária como é hoje

A segunda opção citada é a venda dos espaços para a realização de investimentos. “Vendê-los e fazer investimentos com o dinheiro arrecadado pode ser outra situação”, enumerou. A última alternativa divulgada é em relação ao próprio Instituto fazer com que esses imóveis possam render. “Podemos construir salas e alugar, construir shopping e alugar. Pode se fazer o que for”, finalizou, salientando que toda e qualquer decisão virão dos conselhos. “Vou respeitar e acatar a decisão dos conselhos”.

Prefeito não opina sobre estudo: novas reuniões devem acontecer

 O prefeito Roberto Naves (PTB) foi procurado pela reportagem para dar sua opinião em relação ao estudo. A resposta veio em forma de nota, prestada pela assessoria do gabinete, divulgando que a Prefeitura de Anápolis provocou o estudo técnico, cujos resultados foram apresentados em audiência pública. A nota disse ainda que outros eventos dessa natureza vão ocorrer para que o problema possa ser discutido pela comunidade.

Roberto Naves, por meio de assessoria, afirmou que provocou o estudo para analisar possibilidades, mas que assunto ainda será objeto de discussão

No final, a nota esclarece que serão definidas as soluções, que podem ser as apresentadas pelos estudos ou mesmo pelas sugestões propostas pela comunidade.

Pressa

A direção do Issa defende celeridade em discutir estas medidas o quanto antes, em especial a do repasse dos imóveis. Isto porque a Secretaria Nacional da Previdência precisa autorizar o processo de transferência de pagamentos de um fundo para o outro mediante este repasse. Instantaneamente, os imóveis não gerarão rendimentos capazes de diminuir os aportes, entretanto, serão a garantia para o uso do fundo rentável, o previdenciário. “Os imóveis serão a garantia de que as pessoas que estão no fundo saudável não terão um fundo corrompido”, definiu.

Por enquanto, nada está definido. O diretor-presidente do Issa divulgou que mais reuniões e audiências públicas serão realizadas, reuniões específicas entre o prefeito, sindicatos e conselheiros. Inclusive, conversas com a Secretaria Nacional da Previdência para sinalizar as providências de Anápolis quanto ao assunto, afirmou Valentini. “Por enquanto, a administração não defendeu qualquer decisão. Nós contratamos um estudo e ele nos deu essas possibilidades. Estamos analisando”, complementou.

O pedido de autorização de “compra de vidas” junto à Secretaria Nacional da Previdência só se dará a partir elaboração da minuta do projeto de lei que será encaminhado à Câmara Municipal para dar andamento nas medidas que forem apresentadas e aprovadas pelos conselhos deliberativos em conjunto com a gestão do Issa. “Apresentando a minuta, já se pode discutir com Brasília”, encerrou o diretor-presidente.

Sindicalista apoia repassede áreas públicas ao ISSA

Pelo menos um dos membros dos conselhos deliberativos especificados pelo presidente do Issa já adiantou publicamente sua posição sobre o estudo. Na primeira audiência pública para a apresentação do estudo, realizada no último dia 25 pela Câmara Municipal, Regina Faria, do SindiAnápolis, afirmou ser a favor do repasse de imóveis públicos da Prefeitura para o Issa.

Regina Faria, presidente do Sindicato de Anápolis, aprova a ideia de que imóveis da cidade sejam repassados para o Issa

“O Conselho já enviou ao prefeito, eu mesma entreguei em mãos, um ofício dizendo que nós apoiamos a compra de vidas através do repasse dos bens. Só não concordamos com o aumento da alíquota”, disse Regina de Faria, presidente do SindiAnápolis.

O aumento da alíquota, que é defendida pela gestão municipal, tem espelho semelhante em outro governo, o do presidente Michel Temer. Com a aprovação da Medida Provisória 805, O Planalto alterou de 11% para 14% parte da contribuição previdenciária dos servidores públicos federais. Um ato semelhante com o proposto pela gestão Naves em Anápolis. Mas, com uma diferença quanto a faixa de contribuição: Temer só irá atingir aqueles que têm salário acima do limite máximo estabelecido para os benefícios da previdência social, que é de R$ R$ 5,5 mil. Em Anápolis, a proposta servirá – se confirmada – para todos, desde os que ganham salário-mínimo até os altos salários.

Imóveis que estão na lista para serem repassados ao ISSA 

Imóvel Avaliação – R$ Venda Forçada – R$
Boa Vista 1.910,000,00 1.528,000,00
Kartódromo 40.245.000,00 32,196.000,00
Mercado Produtor 16.438.000,00 13.150.400,00
Nova Vila Jaiara 1.398.000,00 1.118.400,00
Parque dos Pirineus 2.312.500,00 1.850.000,00
Parque Iracema 1.631.000,00 1.304.800,00
Pedro Ludovico 4.132.000,00 3.305.600,00
Rodoviária 62.655.000,00 50.124.000,00
São Carlos 1.875.000,00 1.500.000,00
Jardim Mirrage APM01 1.963.000,00 1.570.400,00
Jardim Mirrage APM02 1.467.000,00 1.173.600,00
Jardim Mirrage APM03 1.590.000,00 1.272.000,00
Jardim Mirrage APM04 964.035,00 771.228,00
TOTAL 138.580.535,00 110.864.428,00

 

 Números da Polêmica

 R$ 527.750,00 foi o valor pago pela Prefeitura para a Consultoria

R$ 3,9 milhões é o montante repassado mensalmente pela Prefeitura ao ISSA

R$ 1,5 milhão é o total que pode ser economizado caso os imóveis sejam repassados

R$ 2,4 milhões é o valor que ainda terá de ser repassado mesmo com a cessão das áreas ao ISSA

R$ 67 milhões estão no fundo previdenciário a partir de 2012, quando foi criado com a realização da “Partição de Massa”

R$ 138 milhões é a avaliação de todos os imóveis da lista prevista no estudo

Relembrando

Um dos grandes dilemas desde a criação do Issa era quanto ao pagamento dos aposentados e pensionistas em dia e – ainda mais – dentro do mês, assim como recebem os servidores. Até 2008, os aposentados recebiam somente 20 dias depois do pagamento dos servidores da ativa, sob a alegação de que havia um impasse técnico e burocrático.

No ano seguinte, em 2009, houve a principal mudança para os aposentados da Prefeitura de Anápolis: a realização do pagamento simultâneo para servidores da ativa e aposentados e pensionista. Neste período, o Issa realizou uma série de mudanças, entre elas, em 2012, da criação da Partição de Massa, que permitiu a criação deste fundo que hoje é superavitário em R$ 67 milhões, que poderá ser usado como solução para os problemas. Durante este período nenhuma área da prefeitura foi hipotecada ou repassada com a finalidade de manter em dia o compromisso com os aposentados.

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