Prefeitura anuncia interrupção em tratamento de lixo hospitalar e confusão ameaça Saúde Pública

Em menos de 20 dias, de hospitais a farmácias terão de se adequar à medida e encontrar a forma ideal de destinar seus lixos hospitalares, incluindo a incineração: rapidez da notificação, desconhecimento e ausência de fiscalização geram insegurança quanto ao tratamento adequado

 Paulo Roberto Belém

A Prefeitura está comunicando hospitais, laboratórios, clínicas médicas e odontológicas, drogarias e outros estabelecimentos similares por meio de notificação extrajudicial que a partir do próximo dia 1º de dezembro, uma sexta-feira, não mais poderá recolher e nem dar a destinação final a resíduos infectantes produzidos por estes estabelecimentos. Ou seja, em menos de 20 dias, o município vai interromper um serviço que vem sendo prestado há décadas e transferirá a responsabilidade a estes estabelecimentos, sejam eles de grande, médio ou pequeno porte.

Roberto Naves decidiu transferir responsabilidade de coleta e tratamento de lixo: prazo de 20 dias

No texto principal da notificação, o documento que não tem data menciona que a ação foi provocada pelo Ministério Público, através da Promotoria do Meio Ambiente, em conformidade com a legislação federal, com a resolução da Anvisa e, finalmente, com o artigo 221 da Lei Orgânica do Município, que, segundo a notificação atribuem a responsabilidade do destino final destes resíduos ao seu gerador.

Prazo

As notificações foram atestadas tanto pela Secretaria de Meio Ambiente, quanto pela Procuradoria Geral do Município, órgão que responde pelas demandas jurídicas da Prefeitura. O dado pertinente da situação é de que, restando tão pouco tempo para o cumprimento da intenção da Prefeitura, a Procuradoria não sabe informar a quantidade de estabelecimentos notificados. O dado também não foi divulgado pela Secretaria até o fechamento desta edição. Acontece que boa parte destes estabelecimentos sequer recebeu a notificação. A reportagem visitou cinco locais distintos que ainda desconheciam da medida aplicada pela Prefeitura.

Outro problema, além da notificação com curto prazo para adequação é a ausência de qualquer orientação para o gerador do lixo. Por quase três décadas, o lixo hospitalar deve destinação sob responsabilidade da gestão municipal e, agora, da noite para o dia, farmácias, consultórios e clínicas precisarão, por exemplo, saber onde podem incinerar seus dejetos.

Além disto, a realização deste procedimento sob responsabilidade de cada um dos agentes envolvidos gerará outra demanda à Prefeitura: a de fiscalizar. Com uma quantidade enorme de farmácias e drogarias por exemplo é notória a ausência de pessoal especializado a fim de verificar se cada um está ou não fazendo a destinação correta do seu lixo. Zayek citou que a ferramenta de fiscalização que ainda não existe e que será utilizada partirá da Secretaria de Saúde à medida que estes estabelecimentos solicitarem o alvará sanitário. Inicialmente, nada.

Incineração

Atualmente, o recolhimento e destinação final deste tipo de resíduo são feitos pela Prefeitura, através do consórcio que realiza a coleta de lixo na cidade, a GC Ambiental. O método é criticado pelo diretor de Limpeza Urbana da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o ambientalista Antônio Zayek. “Quem produz esse tipo de resíduo é responsável por ele”, afirma.

Aterro sanitário municipal é o espaço que recebe os resíduos atualmente: cidade é uma referência no tratamento adequado de lixo, tendo um plano diretor para resíduos sólidos

Mesmo com este cenário posto, o ambientalista sugere que o prazo é viável para a adequação. “Não é uma coisa complicada. Quando você tira só os resíduos da Saúde, o volume não é tão grande”, enfatiza.

O ambientalista sustenta a transferência de responsabilidade. “Vai deixar de ser gasto um dinheiro errado em uma prática ecologicamente errada”, sugere. A forma certa, segundo Zayek, será o produtor do resíduo, independentemente de quem seja, arcar com serviço de recolhimento e de incineração destes resíduos.

Em Anápolis, existe somente uma empresa que realiza a prestação do serviço que está sendo transferido da Prefeitura para os estabelecimentos. A reportagem entrou em contato com essa empresa e orçou que uma coleta mensal de um volume de 20 quilos de resíduos custa, em média, R$ 100. Com esse valor em referência, ao final do período de um ano, um determinado estabelecimento gastará R$ 1,2 mil com o serviço.

Sem questionar

Os procuradores do município Antônio Eli de Oliveira (Geral) e Leonardo Pedroso (Patrimônio Imobiliário), divulgaram que o pronto atendimento à recomendação ministerial que motivou as notificações vem da ideia de se evitar demandas judiciais no âmbito municipal.

“Chegou a recomendação, ela é bem instruída, é bem fundamentada, vamos atender a recomendação”, disse Pedroso. Quem arrematou esta ideia foi o procurador geral. “Desde que haja boa vontade do Ministério Público e do Município, nós vamos cumprir”, citou.

O procurador Geral do Município, Antônio Eli de Oliveira, disse que “boa vontade” do Ministério Público e do Município vai garantir o cumprimento da medida

Entretanto, o procurador não nega que poderia haver acordo que aumentasse o prazo para a adequação dos estabelecimentos a ser previsto em um possível Termo de Ajustamento de Conduta. “O Ministério Público tem legitimidade para propor o famoso TAC, mas esse acordo não foi feito. O município entendeu que a recomendação tinha sustentação jurídica”, complementou, confirmando que era possível atender de pronto a recomendação.

Sobre o prazo para a adequação, o procurador entende que é um prazo apertado, mas viável para que eles (os estabelecimentos) se organizem. Para isso, ele compara o público com o privado. “No poder público é mais moroso porque a previsão de despesa deve constar em orçamento. No particular não. Quando ele tem que tomar uma atitude, ele chama o responsável pela área e fala: eu quero que faça”, disse.

Empresa

O gerente de contratos da GC Ambiental, Guilherme Aires, responsável pela adequação do lixo, incluindo os de origem de Saúde, disse que a empresa não vai questionar a nova desobrigação. Aires afirma, ainda, que a medida não inviabiliza o contrato atual que está em vigência entre o consórcio e a Prefeitura.

Depois de recolher os resíduos da cidade, caminhão específico faz a disposição no aterro sanitário: agora, gestão municipal quer economizar R$ 700 mil com mudança

“As proporções deste serviço são pequenas”, disse. O gerente ainda comentou a hipótese dos estabelecimentos particulares procurarem a empresa para assumir o serviço de forma particular, após o cumprimento dessa decisão, e descartou a chance de realizar o trabalho. “Não seria interessante”, definiu.

Para promotora, mudança abrupta “gera desinformação”: “prazo deve ser acertado entre geradores e município”

A promotora que assinou a recomendação acatada pela Prefeitura, Sandra Mara Garbelini, da 15ª Promotoria de Justiça, disse que a legislação que provocou o município e que resultou na notificação dos estabelecimentos é muito nova e que, por isso, sua aplicação ainda está sendo moldada.

Promotora que fez a recomendação, Sandra Mara Garbelini destaca que tratativas de prazo é o município que tem que dispor, não ela

Ela ressaltou que é a primeira legislação federal sobre o assunto que também compreende diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente e da Anvisa, por envolverem questões de saúde pública. “A grande discussão é para que os grandes geradores de resíduos fossem responsabilizados pela sua destinação, para que houvesse uma responsabilidade compartilhada”, definiu.

Provocação

Sobre as notificações que estão sendo distribuídas para os estabelecimentos com o prazo específico para o “deixar de fazer”, a promotora respondeu que a recomendação que as provocou, foi para saber as providências que o município está adotando. “Agora o prazo, é ele (o município) que tem que dispor, não sou eu. Isso gera até uma desinformação”, esclareceu.

Ao final, a promotora destacou que o Ministério Público é o fiscal da lei. “O nosso papel é fazer a provocação aos órgãos para que cumpram a lei. Agora, o trato dos hospitais e outros estabelecimentos com o município, isso nós respeitamos. Eles podem acordar naturalmente. É uma questão administrativa”, finalizou.

Grande parte dos “novos responsáveis” nem foi informada e sequer sabe o que fazer com o lixo

O superintendente administrativo de um dos hospitais particulares de Anápolis, Joseval dos Reis Brito, disse que a unidade já foi notificada e que estava prevendo que a prática fosse aplicada na cidade. “O momento é ruim porque é mais uma despesa que se cria em um momento de crise e isso vai gerar um custo que nós não tínhamos”, definiu. Mas o gestor entende que é o momento de se adequar.

Gestor de um grande hospital particular, Joseval dos Reis Brito, enxerga que haverá dificuldade para os estabelecimentos menores se adequarem

Observando a outra ponta, a dos estabelecimentos menores, o gestor enxerga que haverá dificuldade. “Eles vão ter que melhorar a estrutura que tem para se enquadrar a essa nova legislação”, acredita. É neste cenário que se encontra Marques Moreira que trabalha no ramo de farmácias. O estabelecimento em que ele trabalha, na região norte de Anápolis, até a última quinta-feira, 9, não havia sido notificado. “Fiquei sabendo, por acaso, por terceiros”, disse.

Marques Moreira trabalha em uma farmácia que sequer foi notificada. “O certo seria a Prefeitura continuar com esse serviço”, defende

Ele criticou a transferência de responsabilidade. “É ruim porque a gente paga tantos impostos e onerar os estabelecimentos com mais este custo, fica difícil. O certo seria eles continuarem com esse serviço”, entende. Marques ainda não sabe a quem recorrer a partir da notificação. “O certo é que do jeito que está imposto, não vai ter para aonde correr”, finalizou.

Unidade hospitalar produz 1 tonelada de lixo infectante mês e vai arcar com R$ 2 mil mensais para o serviço de coleta e disposição final

Em tempo

Em Goiânia, última e mais recente cidade em que a coleta e destinação dos resíduos infectantes passaram a ser de responsabilidade de seus geradores, em maio de 2016, houve um prazo inicial de 60 dias para que os estabelecimentos se adequassem. “Após esse período, ainda houve o bom senso para tratar de casos específicos”, disse Ana Flávia Santos, responsável pelo serviço de Coleta Hospitalar da Comurg.

Profissional de Saúde soube de mudança por acaso e questiona: o serviço era feito de graça antes?

Álvaro Marques é odontólogo e foi informado por um amigo, através de uma foto no Whatsapp. “‘E agora’, foi a primeira coisa que pensei. Afinal, estamos acostumados a lidar corretamente com diversos procedimentos, mas cuidar do lixo nunca foi algo que nos ocorreu”, explica. O dentista ainda destaca outra dúvida: este serviço era feito gratuitamente?

Risco de dispensação de lixo hospitalar de forma inadequada é questionada por dentista: o que adianta se eu fizer, mas o colega da sala ao lado jogar no mato?

“A impressão que dá é que nunca pagamos em impostos para que este serviço fosse feito e aí, a prefeitura agora quer que façamos. A gente sabe que não funciona assim, então, é claro que já pagamos para isto acontecer e agora teremos de pagar novamente”, questiona. A chamada “bitributação” é um dos itens a serem questionados nesta proposta de adequação.

O profissional da área de Saúde sequer sabe por onde começar e, ainda, frisa outra preocupação, desta vez como cidadão: “será que todos nós vamos fazer isto corretamente”? “Porque eu posso ter o compromisso social de que vou fazer, mas quem me garante que o vizinho da sala ao lado não vai jogar isto no mato, num terreno baldio”, avalia.

Informações

12.305/2010 é a Lei Federal que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos

R$ 700 mil é o valor defendido pela Prefeitura que vai deixar de ser gasto com este trabalho específico anualmente

R$ 1,2 mil é o custo anual que o estabelecimento pagará pela coleta e destinação final de 20 kg mensais

 Resíduos que a Prefeitura deixará de recolher e de dar a destinação final

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