Sistema carcerário anapolino chega ao limite

Oficialmente são 305 vagas para 710 detentos, mas Conselho Comunitário de Execução Penal diverge: seriam aproximadamente 750 presos para uma capacidade de 270 detentos, ou seja, o triplo do aceitável.

Felipe Homsi

Qual seria a possibilidade de que rebeliões como as que ocorreram em presídios no Brasil recentemente se passem em Anápolis também? Enquanto o foco é voltado para o que se tornou um dos maiores problemas nacionais já no início de 2017, a superlotação carcerária incomoda já não é de hoje. E, com isto, surge a necessidade da entrega do novo presídio local, cuja urgência já não pode mais ser adiada.

Presos caminham pelo corredor do presídio: quem se envereda pelo caminho do crime percorre um caminho até chegar ao presídio, onde os riscos são iminentes

Motins, agressões e assassinatos? Esta ainda não é a realidade da prisão municipal, localizada na região norte da cidade. O grande problema é que, com poucos agentes para tomar conta dos 710 internos – mais que o dobro da capacidade, de acordo com dados do presídio – não se sabe o que poderia ocorrer caso a pressão dentro do cárcere e a revolta dos detentos se transforme em um motim incontrolável.

Fábio Oliveira é diretor do presídio. Conforme relata, há 30 anos, quando esta unidade prisional foi criada, havia capacidade para no máximo 86 presos. Após uma ampliação na década de 1990, a capacidade foi aumentada para 280 e hoje estão disponíveis 305 vagas. Mas não é o que se observa.

Dificuldades

Fábio Oliveira, diretor do presídio, reconhece os riscos para quem atua diretamente no presídio e alerta para a necessidade de conclusão da nova unidade

Com estrutura antiga, o prédio foi sendo ampliado e questões sociais passaram a influenciar no andamento da rotina carcerária. “Hoje tem toda uma cidade ao redor do presídio. Ele não está em um lugar adequado”, informa o diretor Fábio Oliveira. Ele cita como um dos problemas o fato da unidade não possuir bloqueadores de sinal para telefones celulares, pois “interferiria na região” e bloquearia os aparelhos de moradores locais.

A falta de recursos humanos também é um problema. Um fato curioso é que, apesar de parecer que grande quantidade de presos significa aumento da criminalidade no município, o diretor enxerga o contrário. Para ele, com uma “polícia mais efetiva”, aumentou a quantidade de detentos enviados para o presídio municipal, o que reforça ainda mais a necessidade de que um novo complexo prisional seja instalado em Anápolis.

“Essa unidade prisional, em todos esses trinta anos, nunca suportou e nunca teve mais do que 370 presos”, afirma. E o número foi crescendo vertiginosamente desde 2015, quando Fábio assumiu a unidade. Havia àquela época 360 internos, número que subiu no mesmo ano para 560, até chegar em 2016 ao máximo já comportado. 750 presos colocados nos três pavilhões do presídio.

Com números elevados, o risco é grande para quem trabalha junto ao cárcere e atua no dia-a-dia com os presos. Mas existe uma rotina criada e mecanismos que visam proteger tanto quem trabalha no presídio quanto os detentos. “A profissão de agente prisional é perigosa. Não é uma profissão comum. Porém, nós tentamos tratar o preso com respeito e cobramos esse mesmo respeito deles. E trabalhamos sempre no princípio da segurança. E temos tido um bom relacionamento com os internos nesse sentido”, destaca.

Trabalho social

O diretor do presídio municipal defende que, apesar do número alto de presos, houve redução das ocorrências internas na prisão, com menos agressões, tentativas de fuga e brigas entre grupos rivais. Ele indica que colocou como “prioridade modificar isso” e acrescentou que “não há tratamento da rua aqui na unidade”. “Aqui em Anápolis nós temos trabalhado mais com uma assistência social junto aos internos”, continua. E detecta o êxito da sua gestão no processo de relacionamento com os presos.

Presídio – Muro: Uma das melhorias do presídio foi a elevação do muro para impedir a fuga dos detentos. Unidade não possui bloqueadores de sinal celular.

Para que as fugas diminuíssem, foi realizada uma elevação no muro do presídio. Em alguns locais, a altura chegava a apenas 2,5 metros. Atualmente, a parede possui em torno de 5 metros. As guaritas são ocupadas por policiais militares, que observam a movimentação dos presos. Revistas nas celas são constantes, com a apreensão de objetos proibidos, como facas, telefones celulares e armas.

Confecção Presídio: Presos trabalham em uma confecção montada no presídio por uma empresa local. Objetivos são obter renda, revertida para a família, e diminuir a pena

Uma confecção de roupas está localizada no presídio de Anápolis, para que os presos possam trabalhar. A cada três dias de trabalho, um dia da pena é reduzido. E quem opta por este trabalho obtém uma renda extra de até R$ 1 mil por mês. Questionado sobre a utilização destes recursos financeiros, o diretor do presídio respondeu que os detentos enviam o dinheiro para suas famílias.

Tenente teme versão anapolina dos confrontos do Amazonas

Existe em Anápolis a ação dos “funcionários” do crime, de acordo com subcomandante da Companhia de Policiamento Especializado, tenente Valente

O subcomandante da Companhia de Policiamento Especializado – CPE, Tenente Cesar Otávio Valente Júnior (Tenente Valente) não está otimista quanto ao sistema carcerário e possui o receio de que algo como o que ocorreu no Amazonas e Roraima se repita localmente. “Todo complexo prisional se sustenta no receio das forças policiais. Porque se nós formos avaliar, é totalmente inviável que em uma estrutura em que cabem cem e se coloca 200, se manter segurança”, explicita.

Ele pontua que existe hoje uma “carência de agentes” e “inchaço de criminosos” no município. Conforme enumerou, no ano passado 289 pessoas foram apreendidas em 2016 na cidade. “O crime se organizou em razão das carências estatais”, explica. Valente observa que, “assim como aconteceu no Amazonas, é possível que aconteça (onda de violência) tanto em Anápolis quanto em outras inúmeras cadeias”.

Situação

De acordo com o presidente Conselho da Comunidade na Execução Penal, Gilmar Alves dos Santos, melhoraram muito as condições dos presos internos no presídio de Anápolis. São menos agressões de agentes carcerários contra detentos, a alimentação melhorou, consultórios médico e odontológico foram construídos, foram feitas reformas para melhor acomodar os visitantes dos presos. Conforme explicou, o Conselho ainda “fiscaliza para que não haja tortura”. Conforme elucidou, em cinco ano, as torturas no presídio caíram 80% e os assassinatos também diminuíram.

Atualmente, 40 presos trabalham com artesanato, 100 deles estão produzindo camisetas na confecção, 12 atuam na jardinagem e ainda existem projetos de leitura de livros e curso de informática para qualificação da comunidade carcerária. Apesar destas conquistas, o lado obscuro é que, de acordo com Gilmar Alves, atualmente existe o triplo de presos do que comporta o presídio, diferente dos dados informados pelo diretor da unidade. Conforme o presidente do Conselho, são aproximadamente 750 internos atualmente, em um local onde cabem apenas 270. Nos períodos de maior movimento, a população do cárcere anapolino chega a 800 presos. A solução para diminuir a quantidade de presos? “Quanto mais escola tiver no Brasil, menos preso vai ter”, responde.

Para delegado, presídio que nem foi inaugurado será ocupado em quatro meses

Para delegado Fábio Vilela comportamento de risco facilita a entrada para o mundo do crime

É possível comportar tantos presos no presídio de Anápolis? O delegado Fábio de Castro Vilela, titular da 3ª Delegacia Regional da Polícia Civil no município, acredita que não. “Não tem”, determina. Somente em 2016, foram expedidos por esta regional mais de 200 mandados de prisão. “A nossa meta para esse ano é um por dia”, explica.

“Nós não temos um presídio com capacidade para absorver a quantidade de pessoas que a gente prende”, continua. Para ele, “é urgente que o novo presídio saia do papel”, mas ainda que haja uma nova estrutura, o problema da superlotação não deverá ser resolvido. “Mesmo abrindo estas novas vagas, eu falo para você que nós enchemos essas vagas em três, quatro meses”, contabiliza.

“A demanda é muito maior do que aquilo que o judiciário consegue encaminhar, julgar. Nós prendemos aqui a 200 quilômetros por hora. O judiciário julga a quatro”, acrescenta.

Novo

Nova unidade prisional de Anápolis, para há meses e sem ser entregue: demanda reprimida deve inchar espaço em alguns meses

Entre os projetos aguardados pela população para 2017 está o novo presídio de Anápolis. A obra, que começou em junho de 2013 e tinha como previsão de término o mês de outubro do ano passado, ainda precisa entrar na fase final de execução. A previsão é que o local tenha espaço para 300 presos. O valor destinado para o empreendimento é de 12.991.895,01, por meio do Departamento de Execução Penal do Ministério da Justiça – DEPEN/MJ.

Conforme explicou o diretor do presídio municipal, Fábio Oliveira, na nova unidade serão levados homens presos do regime fechado. Mulheres e presos do regime provisório ficarão no presídio existente atualmente. A obra “vai suprir a necessidade e dar um tratamento mais humano”, conforme indicou. A nova unidade deverá ter também bloqueadores para sinal de aparelhos celulares.

O presidente Conselho da Comunidade na Execução Penal, Gilmar Alves dos Santos, explicou que está quase pronta a nova unidade carcerária municipal, faltando apenas o asfaltamento do local, o estabelecimento da rede hidráulica e telas de separação entre as alas. Ele entende que existe uma necessidade urgente de que esta unidade fique pronta e acrescentou que tudo será feito para “resguardar os direitos humanos dos presos”.

 

Anápolis é o 230º município em homicídios do Brasil

Entre 5.565 municípios brasileiros analisados, Anápolis é a 230º cidade em homicídios por armas de fogo, em um levantamento feito por organizações brasileiras e internacionais que levou em consideração os anos de 1980 a 2014. No ano de 2015, foram 195 assassinatos registrados – já existem informações não oficiais que elevam o número para 300. Já ultrapassa 10 a quantidade de assassinatos de 2017.

A explicação? Autoridades concordam que o tema da violência no município deve ser observado à luz do uso, tráfico e transporte de drogas. O delegado Fábio Vilela, da 3º Regional da Policia Civil, cita que mais de 90% das mortes violentas na cidade têm relação com o mundo do crime.

“O que nós sentimos é comportamento de risco. O que tem em Anápolis são comportamentos de risco, não por parte da vítima que dirige um veículo, que trabalha em seu comércio, não em relação a furto e roubo. Furto e roubo nós sabemos que vai além. Nós temos problemas sociais que envolvem a economia, tivemos uma crise financeira, um aumento de pessoas que foram jogadas para fora do mercado de trabalho, ou seja, à margem do mercado de trabalho”, cita.

Para ele, “isso faz com que estas pessoas sejam mais facilmente cooptadas pelo mundo do crime, no que diz respeito a furto e roubo. Agora em relação a homicídio, que é o que mais nos preocupa hoje, mais nos preocupa hoje em Anápolis, é tentar acuar com maior ênfase, nas infrações que envolvem homicídio. Nesses casos o que nós temos notado são comportamentos de risco”. Ou seja, quem se arrisca no mundo das drogas, está infinitamente mais sujeito a sofrer alguma tentativa de homicídio.

CPE

O Subcomandante da Companhia de Policiamento Especializado – CPE, Tenente Cesar Otávio Valente Júnior também acredita que as drogas acompanham o submundo do crime e a violência aumenta conforme o tráfico e uso de entorpecentes se expande: “Nós temos o problema do roubo a residência acompanhado do furto, onde nós temos a violência contra a vítima que se encontra dentro de casa. E os objetos que são subtraídos são negociados nas bocas-de-fumo e por valores irrisórios. Essa é a grande verdade, onde o crime precisa da arma para existir e do objeto para se negociar”.

Ele observou um “aumento extraordinário” de apreensão de armas de fogo. Somente em 2016, a CPE fez 134 destas apreensões. O número de veículos roubados ou furtados recuperados chegou a 132. “Isso está ligado diretamente ao tráfico, onde o veículo é roubado e transportado para outro estado ou país e com isso ele é negociado”. Conforme observou, de cada duas caminhonetes que são levadas para fora da cidade após terem sido roubadas ou furtadas, uma volta lotada com drogas.

Em dezembro de 2016, foram apreendidos 500 quilos de droga em apenas uma apreensão da CPE. O comportamento de risco, tanto de usuários quanto de traficantes, explica também o alto índice de violência junto aos “funcionários” do crime organizado. Crianças, menores de idade e até mesmo idosos são utilizados para transportas e estimular o consumo em toda a cidade. Tenente Valente, da Companhia de Policiamento Especializado indica que, em alguns casos, os armamentos dos criminosos são melhores do que os das autoridades. “Isso é uma desvantagem muito grande que a legislação não consegue impedir”, reclama. Ele pontua que, no geral, a estrutura física do crime não é maior do que a da polícia. “Mas em termos de operários, eu posso dizer que o crime hoje está maior do que os órgãos de segurança pública”, evidencia.

“A gente tem um alto índice de homicídios em razão do crime, mas esse crime não está à volta permeando as pessoas que vivem bem na sociedade, que trabalham, que contribuem, que prestam serviços, que recolhem seus impostos, mas os que matam têm envolvimento com quem rouba, com quem mata”, reforça. O Disque-denúncia da CPE foi informado para que os cidadãos façam denúncias: (62) 982000943

Legislação

Major Câmara: objetivo é proteger cidadãos de bem e, “se der”, pessoas que se envolvem com o tráfico

O Major Durvalino Câmara dos Santos Júnior, que entregou na semana passada o comando do 28º Batalhão da Polícia Militar em Anápolis para se dedicar ao serviço de inteligência da PM, enxerga que “o crime de homicídio é um crime muito complicado e difícil de se prevenir” e exige uma legislação forte e controle do sistema penitenciário.

“Nós temos uma prioridade, nós temos um foco, que é proteger o cidadão de bem. Aquele cidadão que se coloca em risco, que está à margem, que está traficando, que está roubando, a Polícia Militar tem a obrigação também de protegê-lo, mas nesse primeiro momento, o nosso foco é o cidadão de bem”, explica e reforça que em Anápolis, quem está sendo vítima de homicídio são pessoas ligadas ao mundo do crime.

Major bispo tem discurso mais ameno: não deve haver “exclusão” na Polícia Militar

Para ele, a prioridade na proteção são os cidadãos de bem. “Depois, se der, nós iremos tentar, de alguma forma, atacar a boca-de-fumo, atacar o tráfico de drogas”, comenta. Major Rodrigo de Souza Bispo, que assumiu no lugar de Major Câmara o 28º BPM, explicou o comportamento de risco: “Não existe este trabalho de exclusão na Polícia Militar. Nós precisamos buscar alcançar todos os focos que são alvos ou que são vítimas ou influenciáveis pela criminalidade”.

Números

Dados da Polícia Civil indicam que foram registradas nas delegacias especializadas de Anápolis 3.523 ocorrências em 2016. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Anápolis (DEAM) responde por 1777 ocorrências. Na Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais de Anápolis (DEPAI) registrou 509 procedimentos.

A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Anápolis (DPCA) respondeu por 927 registros. E o Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) teve 281 ocorrências registradas no sistema. O delegado Fábio Vilela, titular da 3ª Delegacia Regional de Polícia, pontuou o índice de resolução dos casos de homicídios chega a 40%.

 

Setores com maior número de homicídios (2016)

Conjunto Filostro Machado: 10 homicídios

Centro: 9 homicídios

Industrial Munir Calixto: 7 homicídios

Boa Vista: 7 homicídios

Bairro de Lourdes: 7 homicídios

Vila Jaiara: 6 homicídios

Vila Esperança: 6 homicídios

Bouganville: 4 homicídios

Sul I Etapa: 4 homicídios

Recanto do Sol: 4 homicídios

Vila Norte: 3 homicídios

Vivian Parque 3 homicídios

Jardim Bom Clima 3 homicídios

Vila Santa Maria de Nazareth 3 homicídios

Calixtolândia 3 homicídios

São João 3 homicídios

São Lourenço 3 homicídios

Vila São Joaquim 3 homicídios

Número de ocorrências – Delegacias Especializadas

1777 – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Anápolis (DEAM)

509 – Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais de Anápolis (DEPAI)

927 – Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Anápolis (DPCA): 281 – Grupo de Investigação de Homicídios (GIH)

Total: 3.523 ocorrências

Acesso à Informação

Imagens que mostrassem a situação real nas celas do presídio não foram autorizadas e também que expressassem os detentos em situação de lazer. Respeitando as orientações da direção do presídio, o Jornal A Voz de Anápolis se limitou a tirar fotos gerais dos cárceres, sem expressar imagens que dessem a entender a existência de situações degradantes aos presos e agentes e um risco à população.

 

 

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