Uma derrapada de R$ 16 milhões

Henrique Morgantini

Numa curiosa demonstração de independência, no primeiro embate de interesses estratégicos entre o Executivo e o Legislativo, a Câmara Municipal destoou do alinhamento previsto pelo gabinete municipal e derrubou um veto do gabinete municipal. O resultado foi um incremento de R$ 16 milhões no Orçamento deste ano em obras propostas ainda no fim do ano passado.

Na votação da última segunda-feira (13), os vereadores derrubaram o veto do prefeito às emendas propostas no Orçamento. A orientação clara era pela manutenção ao veto. E foi o que tentou fazer o líder do prefeito na Câmara, Jakson Charles (PSB). Dando o tom do Executivo, Charles sinalizou para que toda a base-aliada de Roberto Naves acompanhasse a decisão.

Mas não foi o que aconteceu. Aliás, passou longe. Na primeira vez em que foi exigida, a articulação política do perfeito Roberto Naves correu fora dos trilhos. Da mesma forma a liderança de Jakson Charles foi questionada e desautorizada pelo restante da base.

Tudo começou quando, após a fala do líder, Jean Carlos, vereador do PTB – mesmo partido de Naves – promoveu a defesa de suas emendas. Em 2016, Carlos solicitou a realização de projetos no valor de R$ 2,2 milhões. O petebista lamentou o veto, uma vez que afirmou fazer emendas somente mediante um critério meticuloso.

Ao explicar a importância das suas propostas ao Orçamento, o petebista puxou um cordel de lamentações de parlamentares que fizeram emendas que, agora, viam o veto ir por água abaixo. E até mesmo daqueles que não propuseram nada, mas que sentiam que o veto era um cerceamento de suas atividades.

Em seguida, foi a vez de outro aliado próximo de Naves, o vice-lider do prefeito, Mauro Severiano. O parlamentar tucano também tinha emendas propostas estimadas em R$ 3 milhões. O tom foi o mesmo: a defesa das emendas.

O que os dois governistas não imaginavam é que, a partir daí, seus discursos geraram combustível para que a oposição montasse uma defesa própria pela derrubada do veto. Em especial Antônio Gomide e Geli Sanches – esta que também tem emendas que poderiam ser canceladas – acabaram por terminar de inflamar os demais vereadores. A tônica das falas tornou-se uma só: a limitação da atuação dos vereadores por terem suas propostas barradas ao bel-prazer do Executivo.

Em minutos, a derrubada do veto se tornou uma questão de honra para os 23 vereadores. Com o veto também ficou exposta a fragilidade da ascendência do gabinete sobre os vereadores aliados.

Com estes quatro pronunciamentos derrubando a orientação do líder, criou-se uma onda, permitindo a aprovação de emendas milionárias e gerando uma crise interna entre os aliados e o prefeito. Com o veto também ficou exposta a fragilidade da ascendência do gabinete sobre os vereadores aliados.

Alguns pontos interessantes remontam à origem das emendas e do veto. Votado no final de 2016, as emendas continham projetos de quatros vereadores e somente um deles, Paulo de Lima, não conseguiu a reeleição. Isto pode ter fortalecido o sentimento dos reeleitos em defender suas propostas. Outro ponto é que o veto ainda havia sido sinalizado pelo ex-prefeito João Gomes, num de seus últimos atos junto ao Legislativo. Acontece que a manutenção do veto era de total interesse do atual gestor. O fato de derrubarem o veto do “ex” ao invés do atual pode ter seduzido quem queria agradar ao gabinete.

Estrategicamente, o resultado não poderia ser mais desastroso: o veto foi derrubado por unanimidade da Câmara Municipal, contando, inclusive com o voto do vice-líder do Executivo, Mauro Severiano (PSDB).

Alterado com o comportamento do núcleo duro do Gabinete Municipal, Jakson Charles nem mesmo votou, abandonando a sessão durante o início da votação. Ele seria o único voto contrário. A partir daí o que se viu foi nervosismo generalizado no grupo governista, com direito a uma sequência de ligações do próprio prefeito a alguns vereadores.

Jakson Charles chegou a entregar a liderança do Executivo a Mauro Severiano e Jean Carlos, ambos integrantes da base mais sólida do prefeito Roberto Naves, mas que acabaram por impulsionar o “motim parlamentar”. A liderança de Charles não só foi posta à prova como totalmente desmontada na sessão.

No final das contas, as emendas foram aprovadas, incorporadas ao orçamento do Executivo e, do gabinete, até agora podem se ouvir ecoar as broncas distribuídas solenemente pelo prefeito Roberto Naves aos seus “aliados”. Aliados que, ao se desalinhar um pouco do discurso do prefeito, conseguiram benefícios para mais de 30 bairros e milhares de anapolinos.

Veja as emendas de cada parlamentar, com valores e descriminações:

 

Autor: Paulo de Lima (PDT) – ex-vereador

2ª etapa do Parque da Jaiara – R$ 3 milhões

Ampliação e reforma do PSF da Alexandrina – R$ 1 milhão

Implementação do campeonato de futebol amador – R$ 300 mil

Reforma do Parque da Matinha – R$ 500 mil

Construção do Hospital da Vila Jaiara – R$ 5 milhões

 

Autor: Jean Carlos (PTB)

Interligação entre o Polocentro e Adjacências e Morumbi e Adjacências – R$ 200 mil

Interligação viária entre Jaiara e Fabril – R$ 1 milhão

Parque Ambiental da Avenida Leopoldo de Bulhões – R$ 1 milhão

 

Autor: Geli Sanches (PT)

Reforma das escolas municipais Cora Coralina e José de Assis – R$ 1 milhão

Autor: Mauro Severiano (PSDB)

Interligação viária entre o Filostro Machado e o Recanto do Sol – R$ 3 milhões

Henrique Morgantini é jornalista e editor-geral de A Voz De Anápolis

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